“O poeta contumaz é aquele que sabe extrair matéria lírica de qualquer acidente da vida.” (Manuel Bandeira, 1886-1968)
Natal é poesia. A floração é tão grande que passou a integrar a cidade. Faz parte dela como a Fortaleza dos Reis, o rio Potengi, o Parque das Dunas, os ventos elíseos, o santo Padre João Maria.
Além dos poetas de reincidência prolongada, existem os poetas que de quatro em quatro anos (o seu 29 de fevereiro!) fazem um belo poema. Manuel Bandeira cunhou a expressão poetas bissextos, em uma antologia memorável da qual participam Pedro Nava, com o poema O defunto, que apaixonou Pablo Neruda, Di Cavalcanti, Raquel de Queiroz.
O mais célebre bissexto daqui é Luís da Câmara Cascudo, de quem publiquei três poemas. Veríssimo de Melo ficou notavél, principalmente em letras para música. É recitado nos bares: “Caju nasceu para cachaça / pirão pro peixe nasceu / mulher nasceu pro amor / pro amor? Também nasci eu”. Vivi me disse que deixou de fazer poesia por não viver mais em estado de graça. O Ministro José Augusto Delgado é um bissexto que abandonou a poesia em favor do direito. O professor de direito, Lúcio Teixeira, provocado, responde em versos.
Os poetas bissextos, na maioria, são inéditos, não têm livro publicado, alguns são fesceninos, recitados com ar de segredo, despertando risos. Muitas vezes, o poeta bissexto exerce funções elevadas e pensa que não lhe fica bem cometer poesias. O mestre Mário Moacyr Porto dizia que nunca fizera um verso, mas fez. Dele uma bela paródia que dizia já haver esquecido quem dele se esquecera. O matemático e professor de engenharia José Bittencourt é um sonetista de primeira.
Nilson Patriota, romancista e historiador, produziu poemas dos mais expressivos da literatura brasileira.
Solon Galvão é o escritor do sisudo Dicionário Odonto-Médico, inglês-português que fixou, com precisão, toda a terminologia específica. Há 25 anos, desafiou-me a encontrar uma rima para “índio”, não valendo derivados. Disse-me que nem o Dicionário de Rimas Luso-brasileiro de Eugênio Castilho consigna a rima. Fiz a quadra: Descubro para mim dio / genes, meu caro Solon, / uma rima para índio, / quebrada, mas de bom-tom. A resposta foi imediata: “Afinal, meu caro Dio, / uma rima para índio. / Impossível o termo inteiro, / é fácil: toma-o e cinde-o!” A quadra de Solon veio acompanhada de ressalva, guardando a forma de linhas poéticas: “Muito bem diz o matuto, que é bicho muito sabido: não existe coisa mais feia que velho e menino enxerido. Permita-me acrescentar uma pergunta de esteta: não é de provocar riso, sem ser, querer ser poeta? Desculpe, meu caro amigo, não deixá-lo sem resposta; preciso fazê-lo em verso, mesmo que seja uma... Obrigado pelo verso, mui gentilmente mandado, trazendo a rima de índio, embora de pé-quebrado. Tem sempre boa saída o poeta, quando é bom; o que não posso dizer do seu amigo Solon”.
O engenheiro Nadelson José Freire, rindo, identificou resultado de programa governamental: “Quem toma medicamento / segue as instruções da bula. / É preciso ter cuidado / com o tal pecado da gula. / Porque, nesse lero-lero / do Programa Fome Zero, / quem ficou gordo foi Lula”.
O Rio Grande do Norte merece uma antologia dos seus poetas bissextos para ficar, com honra, ao lado do livro de Manuel Bandeira. Quem se habilita a fazer?
Diógenes da Cunha Lima
* Advogado, escritor e presidente da Academia Norte-rio-grandense de Letras
Rimas de "indio" e de "mãe"...
Diógenes,
Meu saudar.
Nos idos de 1955 - tempos de Atheneu, eras da “Confeitaria Cisne” e sábados de meio-expediente -, valendo “Teutônia” gelada servida por Zé Américo, mereci, como prêmio, uma dúzia delas, de casco verde, por haver glosado o mote abaixo (com “índio” e “mãe”, Deus nos acuda!):
MOTE:
Reconheci que o índio
não sabia dizer “mãe”!
G L O S A :
Desejo que a morte guinde-o
oh quem fez tão rude verso,
mote difícil, perverso
- “Reconheci que o índio”!
Direi para o bugre: -“ Brinde-o
com sopapos, não estranhe!
- Você mentiu, se acanhe,
em dizer que o coitado
do selvagem apalermado
não sabia dizer “mãe”!
Do autor do mote, não lembro mais o nome. Na “comissão julgadora”, estavam Esmeraldo Siqueira e Érico Hackradt. As cervejas tomei em companhia de Ítalo Pinheiro, então meu colega do TCU, e Luisinho Doblecheque, Rei Momo, Primeiro e Único...
Abraço,
Laélio Ferreira de Melo