sábado, março 26, 2005

CASCUDINHO, TITÓ E EU TAMBÉM NOS BAIXIOS DE BOIPEBÁ

Boipebá
Arrecifes de Boipebá

Prefeita Wilma Maria de Faria,

Professora Isaura Rosado.

Meu Saudar !

De 1500 para cá, todo mundo sabe, muito estrangeiro tem sido comido na Bahia. O nó, o rolo, é que o português (judeu enrustido) Diogo Álvares turista não era – pois a era era outra. O Caramuru, cuja nau desmilingüira-se nos baixios, com uma só miraculosa bacamartada escapou fedendo à gulodice dos antropófagos tupinambás. E foi além, o gajo, no período da ceva com beiju, peixe e tapioca: casou com a filha do morubixaba, ficou amigo do Rei, andou flanando pela França e fundou, com muito sucesso, a poderosa Casa da Torre. Enfim, se deu muito bem - como tem acontecido com todo lusitano nesta nossa mui amiga e leal Pindorama, até hoje...

Depois do Jardim de Infância Modelo, da carta de ABC e tabuada de Dona Janóca, já no início dos preparatórios para o velho Atheneu, com os Professores Beatriz Cortez e Olintinho Galvão, de tudo que lia e ouvia nas salas de aula, não entrava, não cabia na minha cuca de oito anos, aquela escopetada salvadora do tal “Filho do Trovão”. Bacamarte, pólvora, bucha, chumbo e coragem como os seiscentos – depois da derrota do naufrágio?! Para piorar tudo, Paraguassu, a noiva, nos livros, era uma “índia de pele branca e traços finos e suaves”. Pirei de vez, Prefeita! Pirei de vez, Professora!

- Cascudinho resolve ! – disse meu pai à minha mãe, Maria, a quem eu, todo enrolado, havia me queixado, caningando, quase às lágrimas.

E lá fomos nós, descendo a ladeira, eu pegado na mão do Poeta, sem lenço nem documento, no rumo da Junqueira Ayres. Nunca tinha visto tanto livro na minha vida, nem lá em casa, nem nas estantes do meu tio Juiz. Um mundão de coisas esquisitas penduradas nas poucas paredes à vista.

Na ante-sala, um piano. Guardei a marca, até hoje: “Playel”. De gente, a circunspecta empregada que nos recebeu, depois uma senhora alva, risonha, que me fez festas, e uma menina mais ou menos do meu tamanho, os olhos grandes e desconfiados.

Por fim, levantando-se da fiel cadeira de balanço – sorriso aberto, pijama listrado, livro no colo, charuto fumegante, cabeleira farta, braços abertos, gestos largos, olhos azuis, feliz da vida -, o dono do piano, da casa, dos livros todos e dos penduricalhos: o Professor Luis (sem acento no “i”) da Câmara Cascudo, canguleiro como eu, a oitava maravilha de Natal, a enciclopédia fenomenal que, garantira Othoniel Menezes (a quem ele chamava de “Titó”), botaria ordem na minha cabeça confusa com aquela estória toda. Fui apresentado: nome e apelido - recebendo abraço e aperto de mão. Sem jeito, nervoso, cabreiro, gaguejando, tremendo nas bases, sob o pálio do olhar paterno complacente e encorajador, consegui soltar o verbo e fazer a queixa.

Começou, então, a inhanha. O homem era supimpa, cobra criada, um craque. Satisfeito como pinto em beira de cerca, ouvindo “Cascudinho”, o amigo de meu pai, fiquei por dentro de tudo, juro, Professoras!

O segredo da coisa, o desatar daquele nó, a cura daquela “dor de barriga” na minha cachola, estava mesmo nos livros que estudava, na tradução errônea do epíteto dado ao marinheiro de Viana do Castelo. Era tudo cascata. O camarada nada tinha de “filho do trovão”, nem de “homem do fogo”. Neca de bacamarte, pólvora, chumbo, tiro. Quanto mais coragem de artista das "séries" do cinema Rex, "rapaz", caubói! Por sua vez, Paraguassu, tampouco, era “branca”, "suave", de “traços finos”...

Quase pulo de alegria, de satisfação, enlevo. Homem sabido, aquele “Cascudinho”!

Encagaçado e nu, magérrimo, alto, branco como uma vela, barbudo, tremendo de fome, frio e medo, coberto de sargaço, se escondendo para não ser comido, tirando da reta, o marrano Diogo Álvares desse jeito foi encontrado nos rochedos. Não deu outra: os tupinambás – na gozação, acho eu, hoje - tascaram-lhe o apelido de “Moréia” (Muraena helena), peixe parecido com uma cobra, comum nos arrecifes.

Arrematando a aula magistral, de lambuja, sempre risonho – piscando o olho para “Titó” -, o marido de Dona Dhália e pai de Ana Maria, com a mão suave no meu ombro franzino, guiou-me até uma daquelas nesgas de parede sem estante e me apresentou uma gravura antiga, esmaecida, emoldurada. Matou a cobra e mostrou o pau: eram os baixios de Boipebá – onde começou lenda e legenda do fidalgo “Moréia”, judeu e português, senhor da Casa da Torre, amigo do Rei e do Morubixaba, baiano por adoção e casamento, precisão, muita necessidade...

Baiano burro nasce morto, minha cara Professora, nossa estimada Prefeita – fiquem certas!

Com muito respeito e admiração por Vossas Senhorias,


Laélio Ferreira de Melo

Petrópolis/Natal
Novembro/1998

por Alma do Beco | 5:13 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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