quinta-feira, março 24, 2005

PÃO, POESIA E ALEGRIA

(Os principais ingredientes, depois do amor, recomendados pelo Mestre Jesus)

Alexandro Gurgel
Dia da Poesia 2005



14 de março. A cidade amanheceu em festa. Na ruela antiga, o povo desfrutou um desjejum regado à poesia. Ladeira abaixo, na antiga construção que abriga tanta arte, o cenário não era diferente: mesa posta, olhos bem abertos e ouvidos atentos; gestos estudados, outros, nem tanto; muita espontaneidade. A poesia fluiu sem rodeios. Irmã do palavrão. Ali, no meio do café da manhã. Como tempero do pão. A plebe, o rude e a burguesia, todos reunidos em torno de um único tema. Uma única mesa.

O evento transcorria com muita movimentação e burburinho. Até que, de repente, o prefeito escutou:

- Pegue O Beco !

Ele gelou. Ficou lívido. Até a ficha cair e entender que o beco que estava sendo indicado, isto é, oferecido, era O Beco, o jornal da turma do Beco da Lama. Aquela mesma que entre uma cervejinha/caninha e outra discute questões sociais, ambientais, sentimentais e fofocais. E, assim, foi transcorrendo o dia. Com muita comida, bebida, poesia e alegria. O projeto Fome Zero de Poesia, da Amarela Produções, bem sucedido em todos os detalhes.

Meio dia, sol a pino. O sarapatel em Nasi, no caldeirão, para acalmar outras vísceras. Então, de barriga cheia, poeta se põe em pé. E tivemos mais poesia. A cervejinha para refrescar os ânimos e soltar o corpo. A tenda para proteger o coco, pois os miolos, com tanta quentura, poderiam passar do ponto. E, então, a poesia sairia queimada, ou queimando alguém. E, por escrever queimada, a bandeira de cor preta tremulou aos ventos nos dias que antecederam e precederam à data: um protesto fúnebre para uma orla que pode estar à beira da morte. Ou causar a de alguém. Um grito negro que rasgou o azul do mar, da Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências –SAMBA - contra a indiferença das autoridades frente aos dejetos jogados em Areia Preta e Miami. Atenção banhista ou surfista: qual a quantidade de coliformes fecais que seu corpo suporta até que você sucumba às doenças?

À tardinha, outro panelão. E desta feita de sopa, cortesia do Restaurante do SESC. Não uma sopa qualquer, mas uma sopa de letrinhas faladas, recitadas. Ritmadas ou não, elas saíram em profusão como agora saem da minha recordação. Ave Maria! Parece até que fiquei contaminada com tanta poesia! E, logo depois de muito blues entre livros, MPB e chorinho alegre no meio da rua. O microfone ficou à disposição para declaração de amor insistente, porém desistente: Emanoel Marinho, Baudelaire, Garcia Lorca e Elisa Lucinda para os mais queridos. Muitos outros ícones da poesia regional, nacional e universal foram lembrados. Todos quiseram participar e, pelo microfone, também passou Chico Science, que se antecipou a Augusto dos Anjos. B.B. King fez fundo para a poesia de Márcia Maia (a pernambucana intercambiante), que fragmentou espelhos para refletir todas as luas e suas infinitas estrelas. Newton Navarro pilou paçoca e Antoniel nasceu, morreu e se fractou em preciosidades mil.

Ah! Se eu soubesse fazer poesia! Iria vomitar essa agonia, que me incomoda dia a dia. Mas, poesia não é só rimar. Poesia é muito mais: é um pedido de paz. O brilho nos olhos do rapaz.

Bom, vou ficando por aqui. O espaço já acabou, a inspiração também. Vou continuar treinando em outro lugar. Quem sabe no próximo ano?




Natal, 15 de março de 2005.

Ana Cristina Cavalcanti Tinôco

por Alma do Beco | 9:25 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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