quinta-feira, março 24, 2005

JOÃO CINQÜENTÃO

Matéria publicada no Verso X Versos
Diário de Natal, 14 de Março de 1997

Tribuna do Norte


"o que me resta de dor
é preguiça ou é vício
sou do século o início
não tenho computador"

João Gualberto da Cunha Aguiar, ou simplesmente Gual, é daqueles que sabem e fazem. Amante de Othoniel Meneses e Eduardo Medeiros, canta, pelas noites da cidade, a Serenata do Pescador. Se provocado, é capaz de recitar Auta de Souza, Henrique Castriciano, Gothardo Neto e, até, os poemas "parnasianos" enumerados de Jorge Fernandes.

Boêmio inveterado, não é difícil encontrá-lo na prainha amada, a Redinha, em pleno mercado, a trocar idéias com pescadores e nativos do paradisíaco balneário. Ou no Lourival, no Bar do Naldo, Bar do Coelho, Meia Meia Quatro ou Pedrinho. Hoje cinqüentão, passagem comemorada no último dia 5, na verdade, João é senhor de todos os bares, de todos os botecos e botequins da cidade. Do Bar das Bandeiras ao Canto do Mangue, da Bodega da Praça ao Pé do Gavião, não importa, o que vale é o aperitivo de lado e uma boa conversa para comemorar o dia, especialmente, se "na piscina azul do mar".

Máquina de fazer poemas, João produz cotidianamente e sua obra, infelizmente, ainda é pouco conhecida do público natalense por falta de editores na cidade. Um nome que poderia ser nacional e não é, pela pura fatalidade de Natal a ninguém consagrar, como tantos querem.
Cinqüenta anos de idade. Quantos de poesia, João?
Hoje, neste Dia da Poesia, João é a cara da cidade. Por isso, trazemos ao público leitor deste DN Verso X Versos, uma coletânea de poemas seus que falam de gente e poetas potiguares, homenageados em sua poesia:

Na piscina azul do mar (fragmento)

João Gualberto



em inspirada seresta
meu Brasil é uma festa
na piscina azul do mar
A cultura nos convence
de nossa sabedoria
uma vez era um dia
a poesia natalense
é a melhor há quem pense
Veríssimo epistolar
Cascudo vem assuntar
Mário de Andrade sorriu
"Macunaíma" dormiu
na piscina azul do mar


Navegos em mar em profundo
de Zila um exercício
para cumprir seu ofício
encontrou o fim do mundo
a palavra vai ao fundo
a manhã vai mergulhar
a poesia vai nadar
na força do pensamento
ministrou um sacramento
na piscina azul do mar


Celso Dantas da Silveira
do nosso Açu fescenino
neste Brasil nordestino
Paraíba de Zé Limeira
poesia sem pó e poeira
por absurdo versejar
a rima só vem em par
em nossas cores natais
alpendres e carnaubais
na piscina azul do mar


Diva terra natalina
de Auta, Maria, Clarice
Zila Mamede me disse
a poesia é feminina
Nivaldete nos ensina
a Nathalie estudar
vem Clotilde, vem rimar
Myriam Coeli admira
Tem Marize, tem Palmira
na piscina azul do mar


Do povo faz Galeria
Alexandre grande bardo
Com seu prenome Eduardo
de renomada mestria
das artes faz alegria
com o seu quadro no ar
onde posso pendurar
a mais fina abstração
com as tintas da emoção
na piscina azul do mar


Castro Alves nos atesta
dos cais Sanderson Negreiros
afro-negros brasileiros
Bahia é uma festa
a minha Pátria é esta
o mundo todo a dançar
em casa, na rua, no bar
um país de retirantes
das espumas flutuantes
na piscina azul do mar


Na praia de cor silvestre
com a Mulata Rosinha
a fina flor da Redinha
Gil Barbosa é um mestre
aprovada por semestre
a lua queria cantar
com acordes acordar
a beleza que dormia
com Pau de Arara bebia
na piscina azul do mar


"A República" vai mal
Clóvis Santos fotografa
Olívio abre a garrafa
para o pintor de Natal
Navarro excepcional
é safra para provar
a tarde toda a falar
a entrevista gravava
o repórter caprichava
na piscina azul do mar


A Deodoro ainda prima
em ser do Lácio a fonte
vendo a linha do horizonte
José Melquíades faz rima
numa décima que exprima
seu valor vernacular
sabe o verbo conjugar
ele aprendeu no convento
o mais sábio pensamento
na piscina azul do mar


Quando você me amava
eu era um ser de alegria
a tímida lua ouvia
Edson Péres encantava
dona noite ainda estava
com vontade de sonhar
a lua vinha deitar
numa nuvem mais escura
licença da Prefeitura
na piscina azul do mar


Um canto de pescador
praieira dos meus amores
recebi os seus favores
de Othoniel sofredor
o peito cheio de amor
pela praia a murmurar
meu bom Deus quero voltar
nessas ondas de verão
tem cachaça com limão
na piscina azul do mar


Na poesia da história
Othoniel desce o pano
Henrique Castriciano
com o valor da memória
o seu aboio é a glória
a Branca de Itajubá
vem Açucena abraçar
os cantores de modinha
de Muriu a Redinha
na piscina azul do mar


Minha poesia repousa
em um cantinho do céu
a musa descobre o véu
da mártir Auta de Souza
ponho meu verso na lousa
o seu "Horto" vou regar
para os antigos honrar
com o valor da memória
escrevi a nossa história
na piscina azul do mar


Compositor de cordel
agora mudou de plano
só quer ouvir ao piano
versos de Carlos Gurgel
xará de Carlos Gardel
com rock, vinho e luar
até o sol declamar
o melhor psicanalista
violeiro repentista
na piscina azul do mar


São divinos os pintores
Madê é uma aquarela
vejo Thomé numa tela
inventam todas as cores
como deuses criadores
Dorian Gray é avatar
Fernando Gurgel, Renoir
de expressão modernista
um pincel expressionista
na piscina azul do mar


Amigo dos pescadores
dos sertanejos patrono
da poesia está no trono
lua cheia de amores
mestre da arte das cores
numa sala-de-estar
um sanfoneiro a tocar
uma garrafa de vinho
Francisco de Assis Marinho
na piscina azul do mar


Marcelinho de avião
com seu lápis colorido
ganhou um sexto sentido
um "hippie" de ocasião
deixou em exposição
um trancelim, um colar
um brinco só, a brincar
com as luzes do Farol
foi na Ladeira do Sol
na piscina azul do mar


A paisagem se descreve
com força de profecia
faz a nova travessia
meu amor de ultra-leve
dá um aceno tão breve
um potengi de acenar
vem um navio atracar
Odaíres toma alento
canta Milton Nascimento
na piscina azul do mar


Modernistas do Brasil
em cada rua uma bela
uma vaga na escola
o comunismo infantil
da miséria a mais vil
pela cidade a rondar
aprendeu a soletrar
Jorge Fernandes verter
deste verso em louvor
na piscina azul do mar


Tem um mote seu poder
na pintura é Grande Ponto
em ficção canta um conto
Quem é que pode esquecer
poeta de raro saber
de tudo isso que narro
o boêmio tira um sarro
veste a poesia se acalma
um verso nasce da alma
do pintor Newton Navarro


Está aberto o caderno
folhas do pré-concretismo
vindas ao pós-modernismo
um poeta ultramoderno
do soneto faz um terno
um nome e temas afins
um rio cheio de alfinins
coisas nossas de criança
a palavra de lembrança
na linha Jarbas Martins


Fernando a tinta reparte
do Brasil a Alemanha
Com ele a pintura ganha
Uma família de arte
Com sua poesia à la carte
Do natalense vergel
Cláudia prepara seu mel
Deífilo é folclorista
Carlos é um vanguardista
Todos eles são Gurgel


Diz o cartaz na vitrine
uma platéia assumida
por tanta gente aplaudida
O Teatro do Racine
de Santos Reis fez um cine
a peça "made in" Natal
ao inverso de Cabral
uma nova travessia
no palco da fantasia
vai descobrir Portugal


A noite alta me aprova
esperava por você
tendo ao lado Volontê
um violão bossa-nova
Manoel Fernandes é prova
da minha psicologia
amanhã é outro dia
tenho mesmo de estudar
logo mais volto do mar
com um cesto de poesia


A poesia vem com rima
mas sem rima também vem
ouço o apito de um trem
Diógenes da Cunha Lima
na Academia ele prima
assinou meu alvará
homem de fé - saravá!
com um dúctil instrumento
fez um bom investimento
Abraçou um baobá


Com seu estro mais profundo
Luís Carlos Guimarães
é plural, rima com mães
As grandes coisas do mundo
seu verso é o mais fecundo
traz ao homem um porvir
o poeta ao traduzir
o sal da palavra amor
com justiça é um senhor
para a poesia aplaudir


Woden Madruga, doutor
das chuvas pelo sertão
protetor da criação
A cultura tem valor
no jornal é professor
nos estudos é um leme
a notícia é um creme
para ver seu gabarito
a voz do povo é um grito
No "Jornal de WM"


Tem o feirante um cesto
poemanúncio eficaz
Ney Leandro de Castro faz
um horizonte do texto
"Flauta de Pã" é pretexto
"Voz Geral" da liberdade
"O dia das moscas" invade
"As pelejas" rio Açu
Decomposição do nu
Em nua verticalidade


Pode dizer é um luxo
um Romance de Natal
pois Nazareno é real
em "Reduto Pelabucho"
bota fogo no cartucho
da melhor literatura
faz a ficção com bravura
como pintor ele pinta
a "Revolução de Trinta"
da nossa história mais pura


A velha Ribeira cria
um humano panorama
da literatura chama
José Alexandre Garcia
"Gol de Placa" delicia
as melhores consciências
homens de fé e ciências
dos boêmios um reduto
é o valor do homem culto
"Delícia", reminiscências


Lendas, mitos brasileiros,
possuem um valor infindo:
são estudos verdadeiros
do professor Gumercindo.
Veríssimo professor
ensina antropologia,
no folclore é doutor,
da vida sabe a magia.



Eduardo Alexandre

por Alma do Beco | 1:27 PM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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Praieira
(Serenata do Pescador)


veja a letra aqui

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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mariza lourenço

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