Soldados americanos fazem pose no "Parnamirim Field", antes do embarque para a África
Protásio Melo
Ficava quase no final da rua João Pessoa, 162, junto ao prédio da loja Nações Unidas, esquina com a Rio Branco. Aquele local era ponto de destaque da cidade. Na década de 30, foi o Café Avenida onde a rapaziada elegante se reunia de paletó e gravata e, algumas vezes, até de bengala, para tomar café. Os jovens bebiam menos nesse tempo. Iam, ali, mais para passar o tempo, contar suas conquistas ou ‘‘bodagens’’ e, como não podia deixar de ser num grupamento humano civilizado, ‘‘sentar a pua’’ em quem prevaricava. A cidade era pequena. Sabia-se de tudo e se conhecia todo mundo.
Depois veio a Grande Ponte, de Andrade, que também exerceu papel importante na vida da Natal em desenvolvimento. O Grande Ponto viu alegria, cachaçada, brigas de Milton Siqueira, perseguição política, esculhambação de estudantes, prisões, enfim, um aglomerado à altura de uma cidade que se modernizava.
Vestia-se camisa esporte, ‘‘silek’’, que os americanos introduziram nos costumes. Os assuntos eram outros, já se viajava para fora de Natal para conhecer um Brasil maior, os filhinhos de papai - os mauricinhos - arrumados à última moda e dirigindo carros modernos, para olhar o ‘‘footing’’ de tarde, descendo a João Pessoa ou subindo a Rio Branco, que alguns ainda chamavam de rua Nova.
E se passaram os tempos, as condições de vida acabaram com o velho Grande Ponto, e a Loja Nações Unidas abre elegante estabelecimento na esquina. Mas ficara a grande falha. Não havia mais um lugar para sentar, conversar, beber ou comentar a vida alheia. É quando aparecem os irmãos Rossini, Múcio e Aldemar Miranda, inaugurando a Confeitaria Cisne, no nº 162, local bonito, elegante e moderno, onde era explorado o ramo de Confeitaria na parte da frente, e, ao fundo, imenso serviço de bar, onde imperava o famoso garçom Zé Américo, homem que sabia tudo.
A Cisne teve vida longa, funcionando por quase 25 anos, servindo à cidade e seu povo exigente, numa Natal adulta, aos americanos que chegavam.
Os irmãos Miranda eram simpáticos, atenciosos e amáveis, porém Rossini, por ser o mais extrovertido, era a figura principal. Delicado, simpático, paciente, de grande amabilidade e cara bonita, até quando ‘‘penduravam’’ uma despesa. Nunca o vi de cara feia, facilitando em tudo a vida da freguesia. Havia de tudo na Cisne, e bebia-se de tudo. Os ricos pediam whisky estrangeiro e a população média tomava rum, conhaque, cachaça. Mas a preferência era pela cerveja. Existiam os cervejeiros especiais também. Vi Xico Lamas, certa vez, apostar e ganhar, adivinhando três copos, com cerveja de três marcas diferentes: casco verde, casco marrom e casco preto.
Bozó
Havia os fregueses solitários, como o comerciante Omar Furtado, que vinha todo dia, às 10h da manhã, tomava duas cervejas e ia embora. Pela manhã, entre os jogadores de bozó de cinco dados, era uma alegria presenciar uma partida do professor William Aires, o célebre professor de matemática do Atheneu. Literatos, médicos, advogados e militares graduados também freqüentavam a Cisne. De manhã, podia se encontrar ali Cascudo, Amaro Mesquita, General Leitão, Zé Aguinaldo, Pelusio Melo, Veríssimo Melo, João Medeiros Filho, sempre contando suas aventuras, João Machado Gordo, José Melquíades, membros da Federação de Futebol e outras entidades esportivas.
E a turma mais jovem, aprendendo o caminho, também passou a freqüentar a Cisne. Era um movimento muito grande pela manhã, de tarde e de noite. Havia fregueses para todas as horas, assim como os ‘‘especiais’’. O Rei Momo, Wilson Maux, grande cervejeiro, Luizinho Doublecheck, Clóvis Guerreiro e muitos outros dos bares vizinhos, como a Baiúca e o Pk Bar, de Rui Praieiro, que vinham mudar de ambiente.
Certo dia, entrei no bar e, sozinho numa mesa, estava um rapaz moreno e simpático tomando uma cerveja. Olhou para mim e, de dedo em riste, perguntou: ‘‘Você é que é Protásio Melo? Respondi que sim, e ele continuou: ‘‘Você escreveu um poema na Revista ‘‘Bando’’: Perdi no meu sonho a estrela da tarde, não foi? Respondi que sim, e ele disse: ‘‘Diga a Manoel Rodrigues que mude o nome de ‘‘Bando’’, que sugere cangaceiro, morte, sangue. Um poema bonito e lírico como o seu não devia estar ali’’. Então, perguntei: ‘‘quem é você’’? Disse: José Gonçalves de Medeiros.
Estava diante do poeta mais badalado do Rio Grande do Norte a elogiar um poema de minha autoria. Na Cisne, se tramavam coisas e até golpes políticos. Os estudantes do Atheneu também iam ao bar. Mas como dinheiro de estudante é minguado, demoravam pouco tempo. Vi muito por lá o estudante apelidado de ‘‘Pecado’’, Danilo Bessa, Berilo Wanderley, Pompeu, Claudionor Filho. Militares graduados de várias estrelas tomando discretamente whisky.
E corre o tempo, a Cisne prospera, aumenta a freguesia e começa a fazer parte da fisionomia de Natal. Do lado de fora, formavam-se rodinhas: médicos, advogados, jogadores de futebol, desportistas, bicheiros, vagabundos de toda espécie, pedintes.
A Cisne dos Miranda tornou-se um marco na cidade de Natal.