José Alexandre Odilon Garcia
Por que cidade do Natal?
Porque assim a chamou o capitão-mor Jerônimo de Albuquerque, que, enviado de Felipe II, rei de Espanha e Portugal, para colonizar o território e coibir o abuso dos piratas que aqui traficavam pau-brasil com a ajuda dos índios Potiguares - naquela clara manhã do dia maior da cristandade, em 1599. Pura e singela homenagem ao 25 de dezembro.
O local exato do primeiro marco
Um terreno elevado e firme, de impressionante beleza selvagem, a meia légua do Forte dos Reis Magos, foi o local escolhido pelo fundador (pernambucano, mameluco, filho de valente oficial português e mãe indígena) para lá fincar o pelourinho, símbolo do poder real e marco inicial duma cidade que nascia sob o signo da Estrela de Belém. É a atual praça André de Albuquerque, na Cidade Alta.
Melhor pau-brasil da costa
Trecho duma carta, datada de 1564, do próprio punho de Jerônimo de Albuquerque, filho do primeiro donatário, a El-Rey; "Necessário se fazer povoar a capitania, antes que os franceses o façam, franceses que daqui levam, todos os anos, naus e mais naus carregadas de pau-brasil, por sinal o melhor de toda a costa".
Trinta e cinco anos depois, El-Rey acreditou ser hora de agir. Os piratas, agora não somente franceses, mas de todas as nacionalidades, agiam impunes por todo o litoral e alguns tomavam atitudes de verdadeiros senhores da terra. Para pôr fim à traficância, foi autorizada a construção de um forte.
O Forte dos Reis Magos
O formato é semelhante a tantos outros fortes marítimos, disseminados ao longo da costa brasileira. É uma sólida construção em forma de polígono estrelado, medindo 64 metros de comprimento e erigido em cima de arrecifes, ficando ilhado em maré alta, a 750 metros da barra.
Iniciado em 6 de janeiro de 1598, daí a sua denominação. Em 1608, Dom Diogo de Menezes, Governador Geral, informava que a "povoação está feita, mas não tem gente". Mesmo assim, três anos depois, considerava-a, oficialmente, como município. Mas, em 1614, apenas 14 casas contavam-se na cidade, menos de uma por ano, desde a fundação. Em 1671, as estatísticas não espelhavam melhoria: existiam 60 casas. Somente.
Os ferozes Potiguares, inimigos dos portugueses
As relações inamistosas entre colonos e as nações indígenas aqui sediadas, como Potiguares e mais Cariris e Janduis, principalmente os Potiguares, eram o grande entrave e fonte permanente de desassossego. Curioso - os Potiguares sempre foram visceralmente hostis aos portugueses. Antes da colonização, eram excelentes amigos dos franceses. Depois, constituir-se-iam em força auxiliar de decisiva importância para a vitória das armas holandesas. Talvez o motivo fosse de simples tratamento. Enquanto os adventícios os tratavam de igual para igual, os lusitanos nunca se esqueciam que eram não só os novos senhores da terra, como de quantos a povoavam. E, não raro, procuravam, à força, reduzi-los à escravidão.
A figura de Felipe Camarão
Somente na guerra pela restauração pernambucana, os Potiguares olvidaram velhas rixas e uniram-se aos portugueses e negros, na primeira amálgama da raça, para a expulsão do holandês invasor. Aí, surge a figura do nosso primeiro herói, o cacique Felipe Camarão, amigo de Henrique Dias e André Vidal de Negreiros, aliado de João Fernandes Vieira. As envenenadas flechas de seus temíveis guerreiros muito contribuíram para a total expulsão dos flamengos.
Tremula outra bandeira no Forte dos Reis Magos
Vinte anos duraria o domínio batavo no Rio Grande do Norte, desde aquele dezembro de 1633, quando 14 naus, sob comando do almirante Lichthardt, abriram fogo sobre o forte, enquanto Baltazar Bijama, por terra, com dez companhias fortemente municiadas (desembarcadas em Ponta Negra) completavam o cerco. A resistência foi quase quixotesca dada a desproporção das forças. Oitocentos contra oitenta. Mesmo assim, o capitão Pero Mendez de Govea ganhou a admiração dos vencedores, merecendo honras militares.
Arriada a bandeira lusa, outro pavilhão foi içado e tremulou no forte, que passou a chamar-se Castelo Ceulen, a bandeira da Companhia das Índias Ocidentais.
Quando Natal foi Nova Amsterdã
A imaginação popular atribui grandes modificações, e notáveis feitos, realizados sob inspiração dos holandeses nas duas décadas em que Natal foi crismada de Nova Amsterdã.
Nada mais falso. O próprio Maurício de Nassau, após inspeção em 1638, queixava-se à alta administração de sua Companhia, que a "terra era muito decaída, devastada pela guerra, e precisando de tudo".
Progresso a conta-gotas
O panorama não mudou grande coisa com a reintegração à soberania lusitana. Durante séculos e séculos, a cidade dormiu pachorrenta, esquecida de todas as administrações centrais, em verdadeiro progresso a conta-gotas, fossem elas exercidas por reis, vice-reis, regentes, imperadores e presidentes da República. Inicialmente, fez parte da Província da Bahia. Durante todo o Brasil-Colônia, gravitou à órbita de Pernambuco. Atingiu foros de província em 1817.
Salto para a frente
Somente em 1942, quando Getúlio Vargas e Franklin Delano Roosevelt acertaram os ponteiros no histórico encontro de Parnamirim, para a soma de esforços pela vitória sobre o Eixo, Natal despertou de seu longo sono de cidade pobre, sem indústria e comércio e de apenas 40 mil habitantes (até início da quarta década do século XX).
Foi preciso uma guerra para transformar um pequeno burgo em Trampolim da Vitória. E para que a cidade lendária, surgida às margens do Potengi, desse o seu salto para a frente.
Em 1942, a II Conflagração Mundial, iniciada na Europa, transferira o seu campo de ação para o Continente Negro, mais precisamente para a África Ocidental. E Natal, dado a ser o ponto mais próximo da África, distante apenas horas de vôo de Dakar, teve a sua posição estratégica ressaltada.
Forçoso era aparelhá-la para prevenir o futuro e para transformá-la realmente em Trampolim da Vitória.
Pela Base de Parnamirim, construída em tempo recorde, transitavam, às centenas por dia, aviões a transportar tropas, armamentos e víveres para os soldados de Montgomery em sua luta de vida e morte com o orgulhoso marechal Von Rommel.
Aqui, concentraram-se grandes contigentes militares, brasileiros e americanos.
Praça de guerra
Natal foi considerada, então, praça de guerra. E viveu uma trepidante fase, com suas ruas repletas de soldados de todas as nacionalidades, um dos pontos escolhidos por americanos, canadenses e ingleses para as suas horas de licença. Em meses, a população duplicava e a cidade expandia-se em ritmo febril.
Este impulso vitalizador embalou a cidade para o futuro. Mesmo quando o ambiente militar foi substituído pela rotina dos tempos de paz, a cidade não parou de crescer. Data deste tempo a ampliação da Base de Parnamirim e a construção da Base Naval, Dique-Seco e quartéis de unidades do Exército.