Maestro Duarte, afinando o sax no Bar de Nazaré
Madrugada. Quase amanhecer. Bar pouco recomendado, um tanto kitsch. Cachorro de porcelana no balcão. O infame sofá de brocado grená, gasto, manco. Peixe empalhado, boca aberta, acima da porta do banheiro. Quadro de São Jorge. Iemanjá de louça barata.
Como vim parar aqui? Por que sempre perco-me aqui?
É no que dá sair sem rumo, noite adentro, com amigos, nem tão amigos assim. Ou noite afora? Risos antigos, muitos chopes, algumas doses de uísque barato, batom borrado. Gosto de sal grosso, amargo, na boca. E esta coisa no peito, apertando.
Aqui, terminamos sempre, sós e sem rumo. Todas as noites perderam o prumo. Tanto tempo faz. Salva-se a música. Blues. Sopro. Trompete. Só o blues caberia nestas noites azul-escuras. Obscuras.
Por que retorno? Por que finjo não doer? E rio. E bebo. Fumar, não fumo. Um baseado às vezes, com João. João toca violoncelo. Perdeu-se na solidão das noites. Como eu.
Ah, essa dor. Esse cheiro. Esse incômodo. Esse tão imenso cansaço.
E volto sempre...
Sei porque volto. Finjo não saber, não querer. Mas enquanto houver este som de trompete, volto. Pelo beijo apaixonado do trompetista ao final da noite. De cada noite. Tão certo neste bar, como o cachorro de porcelana e o sofá grená.
Márcia Maia