Da noite resta um pedaço. Márcia Maia
Ainda é madrugada na sacada salobra sobre curvas do Potengi.
A lua, ali, dá-me adeus, prometendo voltar inteira quando, noitinha, o sol se for. Inda me resta um pedaço pouco de uma noite que não se foi inteira. Levo-me aos espelhos, onde me fecho em pedaços, tetradona de virtualidades somadas em sonhos que fiz de mim.
Neles, sei esconder meus pecados, meus descaminhos.
Os anos passaram-se e ainda sou a mesma, só eles mudaram. Os frascos de essências me acompanharam; mantêm a aparência polida de outrora, embora tragam novas fragrâncias.
No cristal das rosas, mantenho vivo o galho seco de anos de espera, depois de pétalas caídas; folhas lavadas por esperas de todo dia.
Depois que partistes, um adeus sem resposta postou-se à porta do meu quarto frio. Eu sabia que seria para sempre.
Levastes contigo a minha sede de entregas felizes; deixastes o travo que em mim fez-se silêncios, solidão.
Resta-me, no entanto, um pouco de noite. E num pouco de noite ainda é possível sonhar.
Neuza Margarida Nunes
Barro Vermelho, Natal/RN, 25 de Janeiro de 2005