Chico Antônio
Tribuna do Norte 28/10/03
José Soares Jr. - Repórter
O cantador de Coco Chico Antônio irá receber uma homenagem póstuma, que bem poderia ter sido recebida em vida. Sua casa, na cidade de Pedro Velho, a 90 KM de Natal, será restaurada pela Fundação José Augusto e se transformará num memorial com objetivo de preservar o mobiliário e outros objetos do cantador potiguar.
A família apoiou a iniciativa e agora a Fundação José Augusto já esboça os detalhes do projeto. O foco do memorial está em cima da relação que se estabeleceu entre o escritor Mário de Andrade e a obra de Chico Antônio. Eles se conheceram durante a visita que Mário fez ao Rio Grande do Norte, na década de 20. Mário de Andrade foi apresentado ao coquista através do crítico Antônio Bento, na fazenda Bom Jardim, em Goianinha.
Ciceroneado, na ocasião, por Luís da Câmara Cascudo, Mário ficou encantado com a pessoa de Chico Antônio e a partir dali passou a estudar seu trabalho. Parte da experiência foi descrita no livro "O Turista Aprendiz", onde o pesquisador paulista descreve suas viagens pela América Latina incluindo sua passagem pelo Estado, em 1929.
Atualmente a casa que pertenceu ao cantador, no município de Pedro Velho, está em estado avançado de deterioração. Ela é de taipa e ainda guarda parte da mobília que lhe pertenceu. O coordenador de Promoções Culturais da Fundação José Augusto, Dácio Galvão, lembra que o projeto de restauração já está recebendo estudos apropriados da coordenação museológica da FJA e que até dezembro a pesquisa estará concluída.
"A data para começar a restauração está definida para segunda quinzena de dezembro. A obra está orçada em R$ 35 mil", explica Dácio Galvão, afirmando que o valor, no entanto, está aquém do que esperado. Ele declara que a restauração será na casa, mas que a FJA também já começou um trabalho de mapeamento da obra de Chico Antônio para que o material coletado também faça parte do Memorial. "Já mandamos ampliar inclusive algumas fotos dele ao lado de Luís da Câmara Cascudo", assegura.
A casa está localizada no Sítio das Porteiras, em Pedro Velho. Possui quatro quartos e ainda pertence a família do cantador. Dácio Galvão lembra que existe a possibilidade de suas canções serem registradas em projeto futuro, mas por hora, não cogita a hipótese porque, tais registros já foram realizados anteriormente. Inclusive pela Funarte que entre os anos 70 e 80 compilou os seus Cocos em disco, através do pedido do pesquisador Aloísio Magalhães, quando este teve contato com o cantador nesta mesma época.
Levando uma vida humilde e enfrentando as necessidades que enfrentou, talvez Chico Antônio tivesse necessidade da restauração de sua casa quando era vivo (...) Sua memória, no entanto, será preservada.
Trajetória
Segundo o Dicionário da Música, da pesquisadora Leide Câmara, Chico Antônio quando não estava trabalhando na roça, preferia o Coco. Semi-analfabeto, ele só possuía dois documentos: a certidão de casamento e a carteira de trabalho. Foi na juventude que trabalhou no Engenho Bom Jardim, propriedade do crítico de arte Antônio Bento.
Na época ele se tornou conhecido por toda região cantando e desafiando coqueiros conhecidos. A dificuldade de preservação deste acervo, contudo, era muito grande porque o cantador nunca repetia os mesmos versos, as mesmas toadas.
Com o passar dos anos, mesmo com a divulgação de sua obra através dos livros de Mário de Andrade, o coquista acabou caindo no esquecimento dentro do seu próprio Estado e passou a enfrentar dificuldades materiais.
O professor, folclorista e pesquisador potiguar Deífilo Gurgel foi um dos responsáveis pela redescoberta de Chico Antônio, em 1979. Encontrou-o envelhecido e doente, nas cercanias de Pedro Velho, enquanto realizava uma pesquisa no litoral.
Deífilo lamentava o desconhecimento do povo do Rio Grande do Norte sobre a sua existência. "Infelizmente nem mesmo Cascudo deu a necessária importância a ele", declarou o pesquisador na época. Deífilo Gurgel também conseguiu uma pensão de três salários mínimos para o cantador, que, depois disso, foi disputado por sua família por interesses financeiros.
Por uma ironia do destino, Chico Antônio morreu em 1993, ano em que se comemorava o centenário de Mário de Andrade, seu descobridor e um dos maiores admiradores.
Nos anos 90, a música de Chico Antônio serviu como referência para os músicos da nova geração. Os pernambucanos do Mestre Ambrósio gravaram "Usina (Tango-no-Mango)" no seu disco de lançamento e em "Fuá na Casa de Cabral" (Sony) - onde a faixa foi creditada como de domínio público, omitindo o nome do cantador potiguar.
Outro pernambucano, Antônio Nóbrega, dedicou a ele o disco "Na Pancada do Ganzá". Em Natal, os grupos Cleudo & Bambelôcos, General Junkie e o extinto Brebôte têm em seus repertórios canções do coquista. Existem vários gêneros de Coco, que são dançados em filas ou em rodas, com os participantes respondendo refrões, dando umbigadas e executando passos laterais característicos. Os mais conhecidos são o coco-de-roda, coco-de-embolada, coco-de-ganzá e coco-de-zambê. Toca-se primordialmente com instrumentos de percussão: pandeiro, ganzá, zabumba, caracaxás, bombos. Chico Antônio ficou conhecido como um dos intérpretes do gênero pela riqueza de seus improvisos e pela voz que possuía, classificada por Mário de Andrade como "mais forte do que dez Carusos". No início dos anos 90, o ritmo passou a ser dançado pela juventude principalmente depois do resgate promovido por Chico Science que acabou por valorizar 'divas' pernambucanas como Selma do Coco e Dona Aurinha.
Hugo Macedo©
