domingo, fevereiro 20, 2005

e se faz algo pelo patrimônio!


"Engenho de Cunhaú"
Gravuras do livro de Gaspar Barleus
por Walner Barros Spencer

Há iniciativas louváveis que devem ser divulgadas. Há, no Rio Grande do Norte, atualmente, uma delas, que trata da educação em relação ao patrimônio cultural nas escolas estaduais, incluindo, de maneira inédita, o cuidado com o patrimônio histórico e arqueológico. Trata-se do projeto Leituras Potiguares, que é parte de um programa maior, o Saber Ler, da Secretaria Estadual de Educação. O programa pretende, como objetivo geral, estimular o hábito da leitura entre os alunos da rede pública de ensino, mas tem, dentre seus objetivos específicos, o revigoramento e fortalecimento da identidade estadual, isto é, do orgulho em ser potiguar. Para que isso seja possível é mister que os alunos conheçam não só a História dessa terra depois da conquista européia, mas que entenda que nosso Estado é formado por outras etnias e culturas, especialmente uma que já habitava esse litoral então.

Quando os ibéricos vieram erigir a Fortaleza dos Reis, já aqui existiam algumas dezenas de milhares de índios de cultura Tupi: os potiguares. E todos sabem que eles não gostaram nada dessa intromissão em suas terras. E combateram com bravura indômita até que, convencidos por missionários religiosos, e confiantes na palavra de um seu parente por costado – Jerônimo de Albuquerque, filho de uma índia, Ubira Ubí, e de um fidalgo português – fizeram um Tratado de Aliança e Paz Perpétua entre a Nação Potiguar e a Coroa Ibérica. Isto foi em 11 de junho de 1599. Só então foi possível a fundação da Cidade que hoje chamamos de Natal.

A principal aldeia desses índios, a do tuxaua Potiguaçu, ficava bem ali, do outro lado do rio Salgado (o Potengi atual), e se chamava Igapó. Dessas duas culturas – a européia e a indígena, e desses tempos fundantes -, resta, da primeira, a fortaleza militar, conhecida por todos, visitada pelos turistas, erigida em marco de nossa Capital. Nada contra, é óbvio, pois é parte de nossa História, e produto de uma banda de nossos antepassados.

Deveria haver, entretanto, uma contrapartida cultural relativa à outra banda de nossos ancestrais, aos indígenas, que bem poderiam estar homenageados com um Memorial onde era a Aldeia Velha. Mas nunca se fez nada em relação a tal fato e, pasmem, o local original da aldeia ainda pode ser reencontrado arqueologicamente, pois ainda há pouco tempo encontramos indícios de sua localização, pois a fome imobiliária, voraz, ainda não os haviam devorado. Sobre isto nada foi feito, mas construímos um memorial em Touros, na BR – projeto do Niemayer – para celebrar o marco português da expedição de 1501.

Isso, só para falar do mais conhecido. Mas e o que dizer dos vestígios das casas-fortes espalhadas no eixo do rio Açu, até sua foz, construídas para sustentarem os combates com os valentes e inconquistáveis índios sertanejos conhecidos pelo nome genérico de ‘tapuias’, na maior e mais longa guerra indígena do Brasil, em fins do século XVII? E as oficinas de charque, indústria pioneira na Capitania, fechadas pela política da Metrópole portuguesa? Seus restos ainda estão espalhados pelas margens de alguns de nossos rios da zona oeste do Estado. E os locais de combates com os indígenas na Serra da Acauã? Quem pesquisou por lá? Quem erigiu um monumento às centenas de indígenas do chefe Canindé que morreram naqueles grotões? É lugar de difícil acesso? Não foi por isso. Na subida da Serra do Doutor existe um monumento aos eventos ali ocorridos durante a tentativa revolucionária dos comunistas, em 1935. E os vestígios de feitorias francesas em nosso litoral? E os bangüês de rapadura e os engenhos de açúcar do Vale do Ceará Mirim, de Papari (Nísia Floresta) e de Canguaretama? O que não foi destruído encontra-se mal cuidado em mãos de grandes Usinas. Não há respeito por essas ruínas vetustas e cheias de histórias humanas, e nem, ao que parece, responsabilidade social dessas grandes empresas. E o Colégio jesuíta em Extremoz? E as ruínas dos aldeamentos de São José do Mipibu, e de Apodi? E a aldeia de Antônia? Quando vamos recuperar a Casa de Guarapes, marco do mundo comercial globalizado do século XIX? E o Engenho Cunhaú onde está? O que não nos espera de conhecimento nas fundações do alojamento do Terço Paulista, em Macaíba? E o antigo engenho Potigy? E os lugares em que se combateram os holandeses, como a Ilha do Flamengo? Isto é História, e muito mais! Temos de recuperar esses patrimônios, e urgentemente, antes que tais vestígios desapareçam irremediavelmente, e muitos já desapareceram.

E os sítios arqueológicos? Quantos norte-rio-grandenses sabem do tesouro cultural e científico dos sítios pré-históricos dessa nossa terra? Lugares onde ainda se encontram, na superfície, instrumentos de pedra produzidos por bandos de caçadores há cerca de 50-60 séculos atrás. Quantos sabem que esse território já era habitado há mais de 100 séculos? Quantos sítios de pinturas e gravuras rupestres ainda guardam as mensagens simbólicas de seres humanos que desapareceram há milhares de anos? Quantas grutas e abrigos conservam seus cemitérios, seus centros cerimoniais, seus lugares de rito?

Creio que basta para justificar o meu aplauso por uma iniciativa de sucesso, que visa a cultura de nossos jovens. É através desse tipo de conhecimento que nasce o amor e o respeito pela terra, e por quem viveu nela. A tradição é justamente “conhecer, para amar; saber a história dessa terra para depois saber contar” como dizia um velho poeta. E quem tem Tradição, tem orgulho de fazer parte de um povo, de uma cultura. É a tradição que cria a identificação de uma pessoa com um lugar. É ela que permite que cada um participe de uma ‘identidade-nós’, nesse caso, uma identidade que exprime o orgulho em ser Potiguar. Aproveito para atestar o fato de que a equipe que comanda e dinamiza esse projeto é essencialmente feminina, e a elas parabenizo. Dá para ver que as mulheres ainda vão mandar no mundo...graças a Deus!

* Arqueólogo, historiador, doutorando em Ciências Sociais, Mestre em Antropologia.

www.Natalpress.com

por Alma do Beco | 11:01 AM


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Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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