por Manuel Bandeira
Ainda será tempo de falar de Marlene Dietrich? Não a vi quando de sua passagem pelo Rio: televi-a apenas, o que não é a mesma coisa, sobretudo levando em conta como foi tecnicamente imperfeita a sua apresentação (viam-se mais as costas do locutor do que a figura da artista).
Todavia, resistiu ela a tudo o que, desde o Anjo Azul, me impressionou como essencial no extraordinário encanto da mulher Marlene - aquele sorriso de olhar infinitamente apiedado e que parece dizer-nos, sem gosma de sentimentalismo, aliás: "Criança, a vida é tão absurda, tão triste!". Mas a vinda de Marlene proporcionou-nos um espetáculo bem divertido, que foi a polêmica entre os cronistas C.D.A. e Vinicius de Moraes. Defendendo cada um a sua estrela, C.D.A. Greta Garbo, Vinicius a Marlene, reviveram ambos galhardamente os dias românticos em que Castro Alves e Tobias Barreto se digladiavam no Recife por causa de duas artistas da mesma companhia no Teatro Santa Isabel.
Para Vinicius Marlene é a mulher, talvez a mulher-idéia de Platão, ou o Eterno Feminino de Goethe; para C.D.A a Garbo é um mito. Vinicius tomou nojo da sueca porque a viu, num coquetel de Mlle. Schiappparelli, recusar uma beberragem estranha onde boiava uma pétala de rosa e pedir vodca. Tive vontade de acudir em auxílio de C.D.A, fornecendo-lhe certo trecho de carta de Vinicius, datada de 49 em Hollywood, na qual o poeta me contava a sideração em que ficara ao cruzar na rua com o Mito.
Mas procurei a carta e não a achei. Achei foi outra, em que ele me falava de Marlene: "Você sabe, ela está cada dia mais linda, mais elegante, mais tudo. É uma mulher incrível, sem o menor desgaste, e de uma naturalidade fantástica. Tira fotografias de publicidade com o netinho, sem dar a menor bola para a legião de apaixonados que tem aí - por esse mundo todo. Eu, depois que a vi com o neto ao colo, fiquei mais apaixonado do que nunca. Imagine você a gente a...". Bem, não posso transcrever o resto, mas a avó Marlene tentava o poeta. "Isso nunca me aconteceu, pelo menos que eu soubesse", concluía Vinicius.
Quanto a mim, o que me ficou de todos os filmes em que vi Marlene foi aquele sorriso a que me referi no começo destas linhas. Lembro-me fortemente é de seus "partners". Jannings, no "Anjo Azul", Gary Cooper, em "Marrocos", ao passo que da Garbo me recordo nitidamente, indeslembravelmente, em todos os filmes, sem ter a menor reminiscência dos homens - e eram todos astros - que trabalharam com ela.
Folha da Manhã, em 09/08/1959)