José Eduardo Vilar Cunha
Já se foi o tempo em que podíamos comparar a água daqui de Natal com as de outras cidades dos estados circunvizinhos. A nossa água era leve, límpida, doce, uma delícia para se beber e não era de uso comum o filtro: bebíamos direto da torneira, tanta era a confiança de sua pureza. Em contrapartida, a água da cidade de Mossoró tinha um aspecto opaco; a de Recife, muito pesada e; a de Campina Grande, nem se fala, com muitos sais presentes. Podíamos, então, comparar a nossa água. Era muito melhor do que todas as outras dos mais diversos lugares do país.
Todo esse relato acontecia há quatro décadas, quando a cidade era pequena, tão pequena que chegávamos a ponto de conhecermos o porteiro do cinema, o vendedor de rolete, o de jornal (Cambraia) e por aí vai. Era uma época que, aos domingos pela manhã, íamos assistir à série no Cinema Rex. Depois íamos à raia do Forte jogar futebol-mirim. Pela tarde, na sessão das duas, íamos assistir um filme no cinema Rio Grande, comumente os Far West ou, então, as comedias com Anquito e Oscarito ou os filmes de Jerry Lewis. Após o cinema, lanchar uma cartola no Dia e Noite e, lá pelas seis, dançar na matinê do América.
Naquela época, as festas das Santas Padroeiras eram bem freqüentadas. Nelas havia parques de diversão com roda-gigante, cavalinhos e oferecimento de músicas. As organizadas eram a de Santa Terezinha e a da catedral, na praça André de Albuquerque.
O tempo foi passando e, com ele, chegou o progresso e a nossa cidade foi crescendo, crescendo. Apareceram os edifícios, as parias urbanizadas, os shoppings, o desemprego e a criminalidade. E o que foi feito de nossa água? Pois é, a situação desse líquido tão precioso da natureza passa por maus lençóis: a água que é levada para nossas residências é oriunda de duas fontes principais: as que vêm dos poços e as que vêm das lagoas.
A precariedade do esgotamento sanitário está presente na grande maioria dos bairros da cidade do Natal. Todavia, esse esgotamento sanitário é feito através da inserção no solo pelas fossas sépticas. A tecnologia tem demonstrado, através de ensaios de laboratório, que os lençóis de água onde estão localizados os poços de abastecimento estão contaminados dos dejetos das fossas cépticas. Neles, é encontrada uma alta concentração de nitrato que é, quimicamente, um sal derivado do ácido nítrico, líquido, incolor, muito corrosivo, que dissolve todos os metais, menos o ouro e a platina, o que implica não ser recomendado ao consumo humano.
A água que abastece a lagoa do Jíqui vem através do rio Pintibu, esse que os defensores do meio ambiente tanto falam da sua degradação e de seu estado cada vez mais deplorável, agravado à medida que os dejetos são lançados nele livremente.
Mas nem tudo está perdido. Com o progresso, também chegaram às águas das fontes minerais que, inicialmente, começaram com os copinhos; depois garrafas, passando logo para os garrafões. Nos bairros em que o poder aquisitivo é mais alto, a comunidade não tem outra saída a não ser tomar a água das fontes minerais dos garrafões. Aí você pode indagar, quem é que bebe dessa água que vem dos poços e da lagoa de Jiqui?