domingo, fevereiro 20, 2005

Os interiores de minha vida



Circular - via saudade
Cintia Gushiken

O tempo passa e precisamos acordar.
Os dias geralmente são curtos e nos vemos exaustos, acabados, mortos a cada final do dia. Assim, passam-se as segundas, as terças, as quartas, as quintas, os sábados e os tristes domingos que antecedem as raivosas segundas novamente. Por causa disso, esquecemos simplesmente de viver. E para os poetas, pessoas sensíveis por excelência, essa rotina atrapalha com muita frequência a produção literária. O mundo mudou tanto e se transforma tão rápido que tudo explica que é natural nos tornarmos saudosistas, sentir saudades da infância, da vida de menino, que corria pelos sítios pensando ser pássaro voante.

Sim, os sítios, os interiores da vida. Bem, eu vim do interior, interior de São Paulo, e eu tinha um quintal enorme para brincar, fazer travessuras e colher umas laranjas para se fazer sucos na hora. No quintal lá de casa, havia três pés de jacas, um de abacate, outro de goiaba e muitos limoeiros, laranjeiras e um pé de tamarindo que deve ter hoje uns 80 anos. E eu subia,
nesses pés, geralmente enormes, que me fazem lembrar aquele pequeno trecho em que diz Fernando Pessoa: "sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura".

Os interiores daqui do Rio Grande do Norte, eu não conheço. Mas hei de querer
ir um dia a esses lugares. Todos os interiores devem ser mágicos e ter lá suas histórias, suas passagens, seus modos e tantas saudades sentidas pelos filhos que vêm morar na capital. Chegaram os festejos de São José e muitas cidades comemoram a esperança das chuvas sertanejas. Sinto conhecer o sertão apenas por livros.

Os sertões dos livros são ricos, universais. Guimarães Rosa uma vez foi
perguntado sobre a maestria com que escrevia, como construía a metalingüagem, a metafísica, e ele respondeu que viveu no interior de Minas Gerais ouvindo, deste cedo, os mais velhos contarem histórias, contos populares, lendas da região, porque o sertanejo costuma contar muitas histórias, narrá-las, e ele, Guimarães Rosa, ao invés de contá-las, ele fazia o contrário, ele as escrevia mas usando seu estilo. Aí se construíam contos, lendas, misticismo, metafísica, metalingüagem, regionalismo, cor local e a voz universal.
Guimarães diz que ao invés de consultar os doutores de universidades ele preferia ouvir os velhos sertanejos nos dias de angústia.

E eu prefiro o mesmo. A vida do sertanejo é mágica, típica de imagens ideais para fotografias, aqueles rostos sofridos que viram muito o chegar das chuvas, as mãos calejadas, as histórias que viraram lendas nas regiões. Eu hoje acordei sentindo saudades do que eu ainda não conheci, saudades do meu interior que hoje ficou para trás, mas que ainda hoje insiste em vir comigo como os vagalumes correndo pelo escuro daquelas matas.

por Alma do Beco | 8:39 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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