segunda-feira, fevereiro 14, 2005

Cristina e Zila

Diário de Natal

Será que algum dia poderei ser perdoada
por ter tido a pretensão de imaginar o que
aconteceu naquele fatídico 13 de dezembro?
Só uma pessoa, em algum momento da
eternidade, poderá me responder:
- Zila

Amanhece. No horizonte uma grande fogueira crepita em chamas vermelhas, laranjas e douradas e parecem duelar com as lilases, marinhos e ébanos que batem retirada, fugindo para reinar no hemisfério oposto. O dia surge inundado de luz e ofusca lentamente o brilho das últimas estrelas matutinas.
A claridade, tal qual flecha luminosa traspassa minhas pálpebras, lembrando que é hora de despertar.
Levanto apressada, há muito o que fazer, mas as primeiras horas da manhã sempre dedico a mim mesma; afinal, nada como uma longa caminhada, seguida por um vigoroso mergulho, para canalizar harmoniosamente a energia acumulada depois de uma noite de sonhos esquecidos.
Chego à praia. O ar repleto de maresia me invade os pulmões, enchendo-me de natureza. Mais do que isso: enchendo-me de Deus. Sinto-me repleta. Integrada à paisagem. Sou a paisagem.
As gotas de suor e a respiração ofegante avisam que devo passar para a segunda etapa desse meu ritual diário. Mergulho então no mar. Ah, mar querido, como é bom te sentir! Percebo então a osmose que acontece em toda superfície da pele. Sinto-me embebida de mar tão qual pão em sopa, inchando e diluindo-se, fundido-se ao mar.
Nado. O ritmo compassado e os movimentos sincronizados de pernas, cabeça e braços não permitem sentir o cansaço. Nado e penso, e nesses momentos transfiro-me para mundos outros.
Uma onda mais forte é o passaporte para a realidade. Abro os olhos assustada. Como me afastei da praia! Outra onda igualmente violenta alerta-me para o perigo iminente.
Agora estou sobre as pedras, que estando submersas pela cheia da maré, esconderam-se de mim, negando-se a delimitarem o território proibido.
Concentro toda minha força nas braçadas. Preciso sair da arrebentação. Sinto-me agora como uma guerreira solitária contra um poderoso exército marinho. Preciso voltar para a terra, mas o mar me quer nas suas entranhas.
Sou sugada pela onda que se forma. Ela enche, quebra e agora sou espuma. Bolhas translúcidas e multicoloridas bailam nas minhas retinas. Invadem, meus olhos, meus ouvidos, minha boca, meu nariz.
Agonia , terror!
Terror? Como, terror?
Estou no meu mar. Aquele que sempre me acolheu. Que sempre me fez sentir parte integrante de seu todo. Por que terror?
Uma paradoxal sensação de leveza e peso me confunde os sentidos, depois percebo: quanto mais pesado meu corpo se faz, mas leve eu me sinto.
Afundo e flutuo. Como?
Olho meu corpo, exausto de tanto debater-se, finalmente sucumbir aos braços do mar, e num ato final, deixar-se possuir. E que braços macios, calorosos, aconchegantes.
Agora não há mais medo. Não há mais agonia, nem terror. Só prazer. Prazer em sentir-se liberta, flutuar.
Volatizar.



“ Agora nascida estrela

algas , recife e coral,

não me contentam areias

nem me prende litoral,

pedindo o vôo das gaivotas

em rumos desconhecidos

sonhando estradas marinhas

compondo sete oceanos

para neles navegar

sou como o sal das salinas

pois fui nascida no mar



Que mundos não conhecidos

bebereis nos sete mares?

Que fantasmas soluçantes

terei de então consolar

ó brisas, ó tempestades

cantai bem alto, cantai

para embalar leves sonhos

cometidos em alto mar


Deixei meus olhos dormindo

nas mãos de musgos medonhos

enquanto em busca de estrelas

converti-me em brancas ilhas

beijadas por sóis distantes,

pelo ímpeto das ondas

vestindo-me tule e neve

para surpresa das bodas

da minha alma irrequieta

com a alma triste do mar



Irei brincar com fantasmas

os governantes do mar

falarei língua das ondas,

cantarei canções marujas

escreverei meus poemas

nos lábios dos caramujos:

levá-los-ão chuvas, ventos

aos peixes e caravelas

que brincarão de cirandas

nos recôncavos do mar


Passai marujos, passai

que não voltarei do mar:

oceânica persisto;

sou o produto deste mar

que compus nas minhas mãos

da verdura do meu sangue

das águas dos olhos meus.”

Crônica de ANA CRISTINA C. TINÔCO
(POESIA DE ZILA MAMEDE)

por Alma do Beco | 3:31 PM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

.. .. ..

.. .. ..

Recentes


.. .. ..

Praieira
(Serenata do Pescador)


veja a letra aqui

.. .. ..

A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

layout by
mariza lourenço

.. .. ..

Powered by Blogger

eXTReMe Tracker