segunda-feira, fevereiro 14, 2005

O Folcrore Poético de Deífilo Gurgel

Ana Silva TN
Deífilo Gurgel

Entrevista por
Por Alexandro Gurgel


“A preferência pelo soneto talvez seja nesse poeta algo como a busca de uma síntese de vida, ainda que as suas evocações de Areia Branca e de Natal sejam poemas que se alongam numa perspectiva como que incontida.” (Nilo Pereira, jornalista).

Nascido em Areia Branca - RN, em 22 de outubro de 1926, Deífilo Gurgel é poeta, escritor, professor e folclorista. Iniciou os estudos em Mossoró e em 1944 mudou-se para Natal, onde estudou no Atheneu e, em 1967 formou-se em Direito, profissão que nunca exerceu.

Deífilo é um renomado pesquisador da cultura popular. Em 1970, ocupou o cargo de Diretor do Departamento de Cultura Municipal. Foi responsável pela disciplina Folclore Brasileiro, do Curso de Artes da UFRN, também diretor cultural da Fundação José Augusto, onde incentivou a revitalização de grupos folclóricos e proporcionou condições de sobrevivência aos grupos já existentes no Estado.

Em 1999, Deífilo lança sua grande obra “Espaço e Tempo do Folclore Potiguar”, publicado pela Coleção Natal 400 anos, editada pela Fundação Capitania das Artes e pela Secretaria do 4º Centenário.

Deífilo Gurgel tem publicado principalmente ensaios e poesias. Seus sonetos nos revelam a maestria do poeta no manejo dessa forma, sua preferida. No seu livro Informação da Literatura Potiguar, o poeta e professor Tarcísio Gurgel escreve categoricamente: “Um aspecto importante na sua poesia – e aí percebe-se um lírico irreprimível – são as evocações, poemas em que misturando-se memória e sentimento telúrico, ressalta uma demonstração de exacerbado amor, na melhor tradição do moderno regionalista de Manuel Bandeira.”

Como o senhor descobriu a poesia e quais são suas influências poéticas?

Olhe, a poesia eu acho que a gente nem descobre, ela é quem descobre a gente. Eu ia lendo o que encontrava, o que aparecia no meio do caminho. Li Casimiro de Abreu, Castro Alves e outros. Eu me viciei naquela poesia rimada, métrica e chorosa dos românticos. Quando eu vim aqui pra Natal, na Tavares de Lira, na Ribeira, havia a livraria do seu Luis Romão, era vizinha ao “Cova da Onça” – um café aonde os políticos iam sempre. A livraria recebia os jornais do Rio de Janeiro (não lembro o nome) que publicava um suplemento literário muito bom chamado “Letras e Artes”, dirigido por Múcio Galvão, um escritor de Pernambuco. Por essa época, eu comprei uma antologia de Manuel Bandeira, que muito me influenciou.

No livro Informação da Literatura Potiguar, o escritor Tarcísio Gurgel, seu irmão, afirma que o senhor era um neoparnasiano que incorporou motivos e procedimentos modernos na sua poesia. Como o senhor avalia essa afirmação?

Eu acho que é isso mesmo. Quando comecei a ler Manuel Bandeira, vi que sua poesia era assim como um rio que vem descendo para o parnasianismo, entrando quase que suavemente para o modernismo. Tem uns poemas dele, um soneto que diz: “Quando a morte cerrar meus olhos duros/ Duros de tantos vãos padecimentos/ Que pensaram teus peitos imaturos/ Da minha dor de todos os momentos?”. Lendo Bandeira, fui aceitando essa coisa e vi que a poesia existe em qualquer fase da vida. Em qualquer circunstância da vida, também pode existir poesia e que a poesia assume as mais variadas formas literárias e artísticas. E então, eu passei a escrever no estilo menos romântico, menos parnasiano, muito embora não tenha conseguido. Eu não conseguido me desvencilhar da rima e da métrica. Por isso, acho que me realizo melhor quando eu uso métricas e rimas.

A cidade de Caraúbas, na região Oeste do Estado, é sua “Pasargada”? Conte um pouco dessa história.

É absolutamente verdadeira essa coisa! Eu ia sozinho de trem, ainda garoto, assim de uns dez anos. Quando o trem parava na estação, meu avô Lourenço já estava lá, me esperando. E aquilo se fixou na minha retina para sempre. Eu fecho os olhos e vejo a cidade, vejo a cidade do jeito que ela era naquele tempo de criança. Caraúbas não tinha automóvel, não tinha caminhão, só tinha carro de boi. Havia o trem de Patu para Areia Branca, passava lá por trás do sítio de seu Joaquim Amâncio. Eu ficava sentado na calçada, o silêncio me oprimindo, mas aquela opressão gostosa. Um êxtase, um deslumbramento total! Eu ficava sentado na calçada e às vezes passava um carro de boi, vindo das fazendas e subia a ladeira em direção ao centro da cidade. Então, passava o trem de carga vindo de Patu, lá por trás do sítio de seu Joaquim Amâncio, soltando aquele apito dolorido no ar, que acabava com meu coração. Nas alvoradas, durante a festa de São Sebastião, eu acordava sempre com a banda de música tocando Royal Cinema. Realmente, Caraúbas foi a minha “Pasargada”.

Como o senhor avalia o atual momento da poesia no Rio Grande do Norte?

A poesia do Rio Grande do Norte tem uma coisa que eu considero fabulosa que ela é uma poesia lírica em todas as suas fases, até na fase mais moderna ela é lírica. Um cara como Nei Leandro de Castro escreve um poema em versos livres sobre a torre da Igreja do Galo e termina dizendo: “No alto da torre um galo canta canções silenciosas de dezembros”. É um negócio mágico! O Jorge Fernandes, um grande poeta modernista, escrevia: “Mangas, corações róseos pendurados entre punhais de folhas verdes/ Coqueiros balançando palmas ao vento numa aflição de braços náufragos/ Vôos verticais, aviões de rapina”. Então, a poesia do Rio Grande do Norte é toda assim, uma poesia inspiradíssima.

Qual foi o momento de encanto com o folclore?

João Faustino me convidou para dirigir o setor da Secretaria de Educação. Nesse mesmo ano de 1970, era Governador Cortez Pereira e dona Aida Ramalho era a primeira dama. Então, ela resolveu fazer um natal faraônico, como fazia Djalma Maranhão na época dele. Na condição de Diretor de Cultura, fui encarregado de fazer contatos com grupos folclóricos para se apresentarem aqui na cidade. Trabalhava comigo, na Secretaria de Educação, nessa administração João Faustino, um senhor que tinha trabalhado com Djalma Maranhão, Caldas Pereira, era quem conhecia todo esse pessoal dos grupos. Eu acertei com ele para visitar alguns desses grupos. O primeiro que nós fomos visitar foi o Bumba Meu Boi que ficava junto ao mercado de São Gonçalo do Amarante. Quando cheguei lá, o grupo já estava dançando e cantando aquelas melodias do Boi, a pouca luminosidade dos postes se refletindo nos espelhos dos galantes, tantos nas coroas quanto dos peitorais dos galantes. Eles dançavam e aquele turbilhão de fitas rodando, pelo amor de Deus! Quando eu vi aquele negócio foi o meu alumbramento total com o folclore e nunca mais eu me libertei disso.

Deífilo, qual o seu contato com Cascudo? Esse amor pelo folclore é uma herança cascudiana?

Olhe, de certa forma, não. Ou não sei, talvez sim. Quando eu comecei a me interessar pelo folclore, o caminho normal era procurar Cascudo. Em 1979, eu fui ensinar Folclore Brasileiro na Universidade e levava meus alunos para conversarem com Cascudo. Primeiro, acertava com antecedência com dona Dália e com Cascudo, que já estava um tanto surdo naquela época, mas agente levava as coisas escritas pra ele, escrevia outras. Lá, ele passa quase uma hora conversando com meus alunos. Eu tive oportunidade de fazer isso umas três ou quatro. Os meus alunos ficavam deslumbradíssimos com ele e eu muito mais. Eu sabia a dimensão exata do valor de Cascudo e ele dando aquelas aulas, me encantava com aquilo.

Como aconteceu a descoberta de Dona Militana? E qual a sua importância para o folclore?

Dona Maria José é importantíssima para o folclore brasileiro. Quando eu comecei a pesquisar danças folclóricas, me disseram que tinha um senhor lá em São Gonçalo do Amarante que tinha um Fandango, o nome dele era Atanásio Salustino do Nascimento, o pai da Dona Maria José. Eu fui lá em São Gonçalo, no sítio da comunidade do Oiteiro, onde ele morava e gravei todo o Fandango que ele sabia. Ele tinha mais de cinco filhas e eu perguntei: “Quem é de vocês que sabe uns romances, como aquele?” e o velho Atanásio disse “Quem sabe tudo isso aqui é Maria José”, era Dona Militana. Eu falei com ela e comecei a gravar os romances que ela sabia, ainda gravei 33, entre romances portugueses que vieram lá da península ibérica e romances brasileiros. Ela cantou um romance religioso pra mim, chamado “O Milagre do Trigo”, esse romance não existe nem no Brasil nem em Portugal, só existe na Espanha. Como é que ele veio lá da Espanha parar na casa dela eu não sei. Não sei onde essa mulher foi arranjar esse romance. Rapaz, é um negócio fabuloso. Primeiro, esse romance que não existe no Brasil nem em Portugal, só existe versos dele na Espanha. Pode ser que exista, mas nenhum estudioso ainda registrou em livro. Segundo Cascudo, tem um livro chamado “Flor de Romances Trágicos” que trata da vida desses dos cangaceiros que existiam aqui no Nordeste, desde mil oitocentos e tanto, até os mais novos como Lampião, em 1935. Eu andei vagueando pelo Seridó e Oeste do Estado, não encontrei praticamente ninguém que soubesse disso e, um dia resolvi: “Dona Maria e bem capaz de saber”. E a desgraçada da mulher sabia bem uns dez, inclusive com a música. Cascudo registrou cinco, só a letra. Ela sabia a música. Tenho quase certeza que, na área do conto popular, essa mulher deve saber um universo de histórias. Ela é uma pessoa fabulosa em matéria de cultura tradicional do romanceio. A mulher é fora de série. Atualmente, ela é a maior romanceira do Brasil.

Deífilo, fale um pouco sobre o seu último livro e, quais seus planos para o futuro?

“Areia Branca a Terra e a Gente” é uma canção de amor que eu escrevi pra Areia Branca. Mas, não é só a canção de amor. É porque me emocionou muito invocar e evocar toda aquela gente do meu tempo de menino e colocar dentro de um livro. No dia do lançamento, em Areia Branca, Vingt-Un pediu o microfone e disse: “Esse livro de Deífilo, dentro de cinquenta anos, o RN não verá outro tão importante”. Na sua coluna, Vicente Serejo escreveu que o meu livro era um monumento que toda cidade se orgulharia de ter. Atualmente, entreguei a Petrobrás um livro que reúne todas as minhas poesias, esperando que o projeto seja aprovado. O livro é “Os Bens Aventurados”, onde eu reúno poemas de todos os livros que eu já escrevi e alguns poemas inéditos. São sonetos e poemas em quadrinhas setesilábicas e as quadrinhas crabralinas, como Anchieta Fernandes fala que eu exercito às vezes, este estilo das quadrinhas de João Cabral de Melo Neto. Há ainda versos livres pelo meio.

por Alma do Beco | 3:41 PM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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