FREI CARMELO
Lembro da primeira vez que bebi pra valer, no dia do meu aniversário de 15 anos.
Acho que bebi duas ou três doses de Ron Merino, com Crush. Foi o suficiente: fiquei completamente embriagado.
No carnaval, na sede velha do América Futebol Clube, levei um lança perfume Rodouro - um recipiente de latão dourado, com um dispositivo na ponta para liberar o gás. Munido de óculos de plástico, imitando o Ray-Ban americano, amarrado com um elástico para evitar levar um jato de lança perfume no olho. No meio do salão, pulando ao som de Vassourinha, mirava nos olhos dos amigos e jogava perfume para atingir o olho e deixá-lo ardendo o resto da tarde.
Um amigo, um pouco mais velho do que eu, pegou no meu braço e falou:
- Não faz isso, não! Estraga a lança.
- Porquê? Perguntei.
- Coloca aqui na cortina que vou te mostrar para que serve.
Shhiiii, ensopei a cortina, no canto do salão, na sede antiga do América, perto do corredor dos banheiros. Ele agarrou a cortina com as duas mãos e colocou-a no nariz, aspirando com toda a força. Fiquei assustado quando o vi despencando no chão com todo o corpo.
Imaginei: morreu!
Logo, logo, ele levantou-se e, pulando alegremente pelo salão, disse-me, cheio de convicção:
- É para isso que serve.
Terminou o baile do domingo de carnaval e eu fui pensativo para casa, querendo experimentar, mas com medo de desmaiar.
Foi só o que deu: parei no canto de um muro perto do Seminário São Pedro, tirei o lenço do bolso e sapequei a lança, até ensopar. Coloquei o lenço no nariz e logo o tirei, porque era gelado e eu não agüentava. Fui me acostumando, até que aspirei com todo fôlego. Escureceu tudo. Apaguei.
Quando acordei, minha cabeça doía muito e - meu Deus - eu estava todo mijado!
Passei a mão pela cabeça, e encontrei um galo enorme.
Quando cheguei perto de casa, todos estavam na calçada para ver os papangus que passavam e o corso dos blocos. Entrei correndo e cantando tan-ran-ran, ran-ran-ran, o frevo Vassourinha, direto para o banheiro, para ninguém notar que minha bermuda estava toda mijada.
Depois de algum tempo, já acostumado com a bebida alcoólica (já tomava Rum com coca-cola, cerveja e um pouco de aguardente), resolvi inventar de fumar: comprei uma carteira de Cônsul - porque tinha um gostinho refrescante e eu tinha que mostrar que estava virando homem -, pois meus amigos todos já fumavam.
Não me dei bem com o cigarro. Na metade da carteira, dei à primeira pessoa que encontrei pela rua. A partir desse dia, eu não mais suportei cigarro e, se colocasse um na boca, passava o resto do dia cuspindo.
No limiar da década de 70, eu já bebia tudo e tomava muito porre de lança, só não conseguia fumar, mas não me incomodava se alguém fumasse ao meu lado.
Um certo dia, já com muito uísque na cabeça, me apresentaram um cigarro de maconha. Duvidei pelo fato de não gostar de cigarros, mas encarei. Peguei o bicho na ponta dos dedos, tentando imitar os outros, e enchi a boca de fumaça, sem saber se engolia, soltava, ficava esperando desaparecer por si só, até que tive um acesso de tosse e soltei tudo.
Escutei os comentários:
- Esse cara é careta, é sujeira. Melhor deixar para outra hora.
Confesso que depois me acostumei. Só não aprendi a tragar até hoje, tampouco falar com o peito cheio de fumaça.
Bebia praticamente todos os dias e, na época de férias de final de ano, então, o consumo era dobrado.
Um belo dia, apareceram dois caras vindos do Rio com uns papelotes de cocaína. Eu nunca tinha visto como era. Depois de muita conversa, resolvi comprar e experimentar.
Era feito todo um ritual: espelho debaixo de um abajur, lâminas de gilete para estirar as carreiras e uma cédula de dólar enrolada feito um canudinho para aspirar.
Observei como era feito e, em seguida, coloquei o canudinho no nariz e aspirei a carreirinha de pó. Não senti absolutamente nada, a não ser um gosto de tinta na boca, e fui aconselhado a passar as sobras do espelho nas gengivas, como se joga o resto das hóstias no cálice de vinho. Saímos para a farra.
No dia seguinte, eu fiquei pensando durante muito tempo. Jamais tive uma sensação tão boa em toda a minha vida. Era como se todos os problemas não existissem mais e toda euforia e alegria tomando conta de mim.
Resolvi que, decididamente, não queria mais aquilo, pois sabia que não era real: era fictício e perigoso e, numa atitude sensata de equilíbrio, abandonei para sempre algo que eu achei fantástico.
Fiquei apenas bebendo muito e, no carnaval, continuava cheirando lança. Na ressaca, tomava Gluco-Energan com Fostimol e Energisan (nem sei se ainda existem). À noite, tomava Reativan para aguentar o repuxo do baile do clube.
Sobrevivi.
Hoje tomo cerveja gelada e, de vez em quando, uma meladinha com caldo de dobradinha no Beco da Lama.