domingo, janeiro 30, 2005

A OPERETA NATALENSE
Vicente Serejo
Da foz do Potengi, subindo ao Norte

Por mais que os referenciais eruditos pregados na memória teimem em saltar do poema para o estranho aviso de que ali estão as vozes de Camões ou de Pessoa; por mais que o mar finito dos gregos de repente se encontre com todo esse mar sem fim que é português, a construção do longo poema de Antoniel Campos se ergue sobre seus próprios alicerces não bastassem as pedras da sustentação histórica que lhe confere o historiador Olavo de Medeiros Filho.
É possível que nem coubesse aqui uma discussão em torno dos nossos retratos poéticos de agora. Da comparação de suas cores e dos seus relevos. A Natal mais antiga do poeta Ferreira Itajubá ou a Natal mais lírica e mais melosa da Serenata do Pescador, de Othoniel Menezes. Mais do que a extensão e o fôlego, este longo poema é a celebração da capacidade poética do seu autor na fixação do homem natalense na sua normalidade humana de quatrocentos anos.
Sem prender-se a um começo que necessária e cronologicamente viesse do antes da cidade, a Natal do poeta quebra intencionalmente a solidão da paisagem virgem e silvestre e se faz como num milagre de composição. De repente o vento, o homem, a duna, o rio, a fortaleza, o mar, as gamboas, o casario...e a cidade surgindo, traço a traço, como a erguer-se do seu próprio mistério de não ter sido povoado ou vila porque já nasceu cidade.
À medida que os olhos percorriam as palavras, as personagens e os fatos, e tudo ganhava relevo por entre versos e estrofes nos contrafortes dos ritmos sonantes e dissonantes, todo um grandioso espetáculo parecia se montar com seus heróis, santos e mártires. E era como se os olhos dissessem: a solidão do verde, ali. A calma humilde do azul, mais pra lá. O amarelo ardente do sol mais pro alto. Lá em cima, o vermelho vivo das pobres glórias provincianas.
Um mural de tudo. Um tudo feito de todas as coisas sagradas e profanas. Dos épicos e dos líricos. Dos santos e dos loucos. Dos heróis e dos vilões. Mas todos encantados por uma aura poética que salva e condena, perdoa e fere, morde e sopra. O lirismo que foge dos antigos nomes dos velhos lugares da cidade: "A Rua Grande e o antigo casario" ..."Caminho de beber, Rua do Meio, o Porto da Redinha,/ o Outeiro...", as "águas potengis".
Humilde, e por isso mesmo poeta, Antoniel , como se estivesse à sombra das velhas árvores da praça André de Albuquerque, procurando a cidade antiga, confessa:
"Tomai da minha mão que, humildemente,
Talento sei faltar nesta empreitada,
o verso que me acorre é indigente,
à Frente da tua página afamada.".
E pede:
"Dizei do que passou que, prontamente,
Na lira cantarei tua jornada,
Senhores Arquitetos deste solo,
Tal dádiva, no verso, vos imploro..."
E como se fossem indispensáveis para cumprir-se uma jornada marinheira, pouco antes da partida para sua circunavegação poética, chama os poetas da cidade, pois é com eles que espera voltar às margens do rio:
Mas venham sobretudo os poetas!
Antídio, Açucena e Edinor,
Ferreira Itajubá – musas secretas!
Gothardo e Auta de Souza – a mesma dor...
Henrique e Walflan – versos de ascetas!
João Lins Caldas – delírio e andor...
"Fernandes, balançai REDE nos ares!
Mamede, enxuga o pranto desses mares..."
E depois de tudo, ao descansar os olhos sobre suas águas potengis, todos vão chegando para a celebração final na praça onde a cidade foi fundada, numa mistura mágica das eras e dos anos, dos dias e dos séculos, numa narrativa-convocação em 44 versos.
Ali estão, diante da Matriz tocando as Trindades do anoitecer todas as figuras de nossa História. De Jerônimo a André, de Colaço a Manuel, de Cascudo a Gothardo Neto. Jorge Fernandes vem descendo a Rua da Palha, lá vão chegando as mocinhas do Tirol e de Petrópolis. Rifault, Padre Miguelinho, Del Prete, Exupèry e Jean Mermoz. O Graff Zeppelin chega boiando no mar azul do céu saudando Severo e Sachet e tudo é festa com Boi Calemba, Fandango, Lapinha e Bambelô.
De longe, com seus olhos calmos, os padres Soveral e João Maria. Os Reis Magos, índios, negros, feiticeiros. Num canto, com sua cabeleira leonina tocada pelos ventos, na elegância das brancas polainas e dos alvos colarinhos engomados, Cascudo deixa o bronze e desce do pedestal olhando as horas no velho relógio da torre da Mariz.
Natalenses, o longo poema de Antoniel Campos, é a opereta de toda essa gente nascida de índios, brancos e negros, entre o mar e o sertão, feita do sangue e do amor de pescadores e de vaqueiros.

Redinha, no dezembro glorioso da Natal quatro vezes secular.

por Alma do Beco | 6:10 PM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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Praieira
(Serenata do Pescador)


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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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