Cristina Tinôco
Maria dos Prazeres, ou simplesmente Pepita, como é conhecida pelos mais próximos, deve ter agora uns 65 anos. Antes, moça alta, esguia, de pele muito alva e olhos claros, apaixonara-se perdidamente por Antônio Carlos, aliás, pela voz de Antônio Carlos. Esperava ansiosa pela hora do Ângelo, a programação radiofônica que era apresentada às 18 horas com a Ave Maria de Schubert. Rezava olhando o céu, procurando na luz das estrelas uma resposta celestial. Era uma paixão desmedida, gratuita, humilde e platônica. Dessas que transbordam, iluminam o sorriso e resplandecem no brilho do olhar. Dessas que são boas só de sentir, sem esperar nada em troca. E ela rezava buscando nos astros a materialização de Deus. Pedindo para Antônio Carlos um dia ler e responder sua cartinha.
Ele procurava concluir os serviços no aviário às 17:00 horas. Eram tantas as providências! Os cuidados eram imprescindíveis para garantir a saúde dos frangos. Encerrada a rotina, preparava-se para o programa do rádio. Até a Hora do Brasil, tinha o seu espaço garantido para cartas e canções românticas, que transmitia no programa Boa Noite Coração. Eram tantas as cartas com oferecimentos de músicas e poesias, que sempre sobravam algumas por falta de tempo. Certa noite, um envelope especial, de papel marfim, chamou-lhe a atenção. Lembrou que há muito via aquele envelope. Agora chegara sua vez. Sentiu um delicioso perfume ao abri-lo. O papel, de suave textura, parecia de seda. A letra, muito desenhada, passava sobre o fundo de rosas amarelas frases curtas que denunciavam toda a sinceridade de uma grande alma. Falava da emoção que sentia ao ouvir sua voz. Do quanto ansiava por aquela hora. Pedia que lesse poesias de Cecília Meireles, sua preferida, e que tocasse canções de Vicente Celestino.
As cartas apareciam agora com freqüência. Sempre bem produzidas e perfumadas. Ele esmerava-se ao lê-las. Sua voz tornava-se mais grave, muito sensual. Pepita, ao pé do rádio colocado na janela, sentava em sua cadeira de balanço na calçada. Escutava e sonhava. Imaginava como seria prazeroso ouvir aquela voz sussurrando palavras de amor ao seu ouvido. Desenhava mentalmente um corpo para aquela voz: másculo, moreno, de uma beleza quase rústica. Deliciava-se ao imaginá-lo abraçando-a, beijando-a com sofreguidão, até deixá-la sem fôlego. Como fazer para chegar até ele? Perguntava-se, procurando, no céu que se transmutava, o cintilar da primeira estrela vespertina.
A correspondência intensificou-se. Sempre, das cartas para o microfone. O que era íntimo tornava-se público. Assumido. Patrimônio da cidade. E muitos torciam por aquele amor que se revelava. Meses se sucederam. Cansada de tanta ansiedade, Pepita tomou uma decisão. Iria surpreender Antonio Carlos naquela noite. Preparou-se com cuidado. Um banho de cheiro para perfumar os longos cabelos claros e cacheados. Uma saia branca, bem rodada, de bicos bordados e uma blusinha rosa, florida, a escorregar molenga pelos ombros, deixando marcado o contorno dos seios fartos e rígidos. Chegou e não se anunciou. Apenas esperou pela hora que o programa terminaria para surpreender Antônio Carlos.
19:00 horas. Encerrado o programa, ele apanha seus pertences, organiza sua área de trabalho, e sai. Ao abrir a porta...