domingo, janeiro 30, 2005

A descoberta

A DESCOBERTA
Cristina Tinôco

Maria dos Prazeres, ou simplesmente Pepita, como é conhecida pelos mais próximos, deve ter agora uns 65 anos. Antes, moça alta, esguia, de pele muito alva e olhos claros, apaixonara-se perdidamente por Antônio Carlos, aliás, pela voz de Antônio Carlos. Esperava ansiosa pela hora do Ângelo, a programação radiofônica que era apresentada às 18 horas com a Ave Maria de Schubert. Rezava olhando o céu, procurando na luz das estrelas uma resposta celestial. Era uma paixão desmedida, gratuita, humilde e platônica. Dessas que transbordam, iluminam o sorriso e resplandecem no brilho do olhar. Dessas que são boas só de sentir, sem esperar nada em troca. E ela rezava buscando nos astros a materialização de Deus. Pedindo para Antônio Carlos um dia ler e responder sua cartinha.
Ele procurava concluir os serviços no aviário às 17:00 horas. Eram tantas as providências! Os cuidados eram imprescindíveis para garantir a saúde dos frangos. Encerrada a rotina, preparava-se para o programa do rádio. Até a Hora do Brasil, tinha o seu espaço garantido para cartas e canções românticas, que transmitia no programa Boa Noite Coração. Eram tantas as cartas com oferecimentos de músicas e poesias, que sempre sobravam algumas por falta de tempo. Certa noite, um envelope especial, de papel marfim, chamou-lhe a atenção. Lembrou que há muito via aquele envelope. Agora chegara sua vez. Sentiu um delicioso perfume ao abri-lo. O papel, de suave textura, parecia de seda. A letra, muito desenhada, passava sobre o fundo de rosas amarelas frases curtas que denunciavam toda a sinceridade de uma grande alma. Falava da emoção que sentia ao ouvir sua voz. Do quanto ansiava por aquela hora. Pedia que lesse poesias de Cecília Meireles, sua preferida, e que tocasse canções de Vicente Celestino.
As cartas apareciam agora com freqüência. Sempre bem produzidas e perfumadas. Ele esmerava-se ao lê-las. Sua voz tornava-se mais grave, muito sensual. Pepita, ao pé do rádio colocado na janela, sentava em sua cadeira de balanço na calçada. Escutava e sonhava. Imaginava como seria prazeroso ouvir aquela voz sussurrando palavras de amor ao seu ouvido. Desenhava mentalmente um corpo para aquela voz: másculo, moreno, de uma beleza quase rústica. Deliciava-se ao imaginá-lo abraçando-a, beijando-a com sofreguidão, até deixá-la sem fôlego. Como fazer para chegar até ele? Perguntava-se, procurando, no céu que se transmutava, o cintilar da primeira estrela vespertina.
A correspondência intensificou-se. Sempre, das cartas para o microfone. O que era íntimo tornava-se público. Assumido. Patrimônio da cidade. E muitos torciam por aquele amor que se revelava. Meses se sucederam. Cansada de tanta ansiedade, Pepita tomou uma decisão. Iria surpreender Antonio Carlos naquela noite. Preparou-se com cuidado. Um banho de cheiro para perfumar os longos cabelos claros e cacheados. Uma saia branca, bem rodada, de bicos bordados e uma blusinha rosa, florida, a escorregar molenga pelos ombros, deixando marcado o contorno dos seios fartos e rígidos. Chegou e não se anunciou. Apenas esperou pela hora que o programa terminaria para surpreender Antônio Carlos.
19:00 horas. Encerrado o programa, ele apanha seus pertences, organiza sua área de trabalho, e sai. Ao abrir a porta...

por Alma do Beco | 6:04 PM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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