sábado, agosto 27, 2005

O CORTEJO FINAL

Léo Sodré
Helmut

Eu poderia dizer que moro sozinho na velha mansão, mas talvez isto não seja inteiramente verdade. Depois da morte bizarra de meus pais, quando eu tinha dez anos de idade, as visitas pararam. Os amigos se foram. Digo bizarro porque morreram asfixiados enquanto dormiam. Eles tinham apenas trinta anos de idade. Jovens. Ò, muito jovens. Não me perguntem detalhes. Prefiro não lembrar da cena. Mas lembro bem do nosso convívio aqui na casa. Na maioria das vezes era agradável. Havia, entretanto, ocasiões onde eu ouvia meus pais discutirem sobre certa mulher. Pensei que as conversas envolviam uma amante ou coisa parecida. Lembro também do medo que eu sentia, quando ouvia minha mãe ameaçar que queria sair da mansão. Que queria se livrar da tal mulher. A verdade é que nunca falaram sobre esses assuntos na minha frente. Eram discretos, e por isso achei que queriam me poupar do trauma que uma separação poderia causar.

Ainda moro na mesma casa. A mansão é de 1903 e, surpreendentemente, ainda detém o charme dos velhos casarões. Principalmente se vista de uma certa distância. Desde criança sempre fui apaixonado pelo lugar. Embora de alguns anos para cá, uma inquietação inexplicável vem tomando conta de mim.

Meu isolamento talvez esteja contribuindo para a agonia que sinto a cada dia. Talvez seja meu inconsciente querendo pregar uma peça, ou causar um desgoverno dos instintos que me mantêm equilibrado. Tenho a idade dos meus pais quando eles morreram. A segurança que eu sentia aqui na mansão quando criança, foi trocada por uma tortura mental e por visões que, se não for loucura, comprovam que junto comigo, outro ser habita as dependências da mansão.

Vultos parecem me seguir onde quer que eu esteja. Mesmo neste momento, em que procuro escrever para distrair minha mente, sinto a presença de alguém a me observar. A temperatura do quarto mudou e o ar está mais pesado, abafado, digamos assim.

Prefiro saber quem é, e o que quer. Não agüento mais viver com este ser, que pela sua própria ausência, insiste em desolar o que ainda resta da minha sanidade. Não! Isso não! Basta dos ruídos, e dos gritos que me tiram o sono da madrugada.

Planejei um jantar diferente das outras noites. Um jantar para dois.

Sentei-me à mesa onde, encoberto pela fraca iluminação produzida pelas velas, esperei pacientemente. Servi os dois pratos. Pus vinho nas duas taças, e esperei. Observei cuidadosamente ao redor da sala. Minha sombra era projetada contra a parede. Ponderei se a loucura finalmente havia me dominado.

Sem prenúncio, as chamas das velas que iluminavam a sala, fraquejaram inquietas. Um bálsamo diferente surgiu do nada. Senti o ar pesar, e um frio estranho se estabelecer próximo a mim. Nesse momento outra sombra refletiu contra parede, e a imagem de uma mulher, sentada ao meu lado, formou-se nitidamente. Imediatamente lembrei dos meus pais e da mulher da qual tanto falavam. Teria sido ela a responsável pela morte deles? Pensei. Começamos a jantar em completo silêncio. Ilusão ou realidade? Isso pouco me preocupava. Eu estava lutando pela minha sanidade e, quem sabe, este seria o cortejo final.

Charles Phelan

por Alma do Beco | 6:48 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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