sábado, março 19, 2005

As feridas expostas do velho centro


Praça André de Albuquerque

Ana Cristina Cavalcanti Tinôco

Quem hoje passa pelo Centro da Cidade Alta não imagina o glamour dos tempos idos. Particularmente não presenciei grandes acontecimentos no Centro da Cidade, mas, tenho ciência de como suas ruas, em especial determinados pontos como o Café São Luiz, o Cinema Rex e até mesmo o Nordeste quando era menos especializado, representaram para a memória dos mais maduros que eu.
Lembro, contudo, no início da adolescência, da Sorveteria Tip Top. Era o ponto de encontro da rapaziada, onde os pães (rapazes) e as cocadinhas (moças) se encontravam. Eu, menina ainda, apenas ansiava por aquela fase tão alegre e colorida. Foi passando por lá que escutei pela primeira vez Raul Seixas cantando pela mosca e enaltecendo a sombra sonora do disco voador. Tempos depois, o point foi transferido para Jaecy Fotografias. Desde aquela época, já havia aqui em Natal esta coisa abominável da efemeridade dos pontos de encontros. Hoje, quando aparece um local interessante para freqüentarmos, me pergunto: Até quando?
O Beco da Lama, e em especial, o Bar do Pedrinho, é um desses points antológicos. Lembro da transferência da entrada principal para a Gonçalves Ledo. O esmero e carinho com que fora decorado. Os célebres clientes em seus horários específicos; os acordes de blues e MPB em longas noites de improviso, que terminavam virando um grande show. Memórias sonoras guardadas nas fibras da alma e do coração. Hoje, o Bar tem sua entrada novamente transferida para o Beco da Lama, que ganha agora nova proposta e apresenta-se como espaço cultural com galeria para exposições e murais com pinturas de artistas contemporâneos.
Esta roupagem boêmica e cultural não esconde, entretanto, as chagas expostas do velho Centro.
Convivendo com intelectuais e pseudos, encontramos todos os naipes da humanidade. Tipos que ao serem olhados despertam a mais profunda condolência, dó, piedade mesmo. Velhas meninas desdentadas que mendigam um real para o cachorro-quente, que, na realidade, será queimado e fumado. Outras, pensando-se sensuais em shortinhos mínimos e encardidos, expõem, junto com o corpo, a pobreza da alma e a falta de perspectivas que encontra em seu habitat. É a cidade com suas feridas abertas. Gente com problemas de difíceis soluções, que de tão pessoais e coletivos passam a ser municipais.
Pergunto-me por que o Centro, tão enfermo e abandonado, tão importante para a preservação da história da cidade, sempre cheio de possibilidades turísticas a serem exploradas, continua tão esquecido?
Recentemente, em meio a uma acirrada disputa pela gestão da Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências – SAMBA – descortinou-se uma proposta de trabalho social para ser executado no Beco e seu entorno: Programas com palestras sobre higiene na manipulação de alimentos; qualidade no atendimento ao cliente; sexo seguro; coleta seletiva e reciclagem do lixo, dentre outras facilmente trabalháveis e de grande impacto ambiental, social e visual, que seriam ministradas caso a chapa concorrente fosse vencedora. Mas o sonho foi efêmero e tudo não passou de proposta.
E a pergunta que não deve calar mantém-se no ar: A quem importa as feridas expostas do velho centro? Quem as cuidará?


Cantões, Cocadas Grande Ponto Djalma Maranhão

por Alma do Beco | 11:02 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

.. .. ..

.. .. ..

Recentes


.. .. ..

Praieira
(Serenata do Pescador)


veja a letra aqui

.. .. ..

A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

layout by
mariza lourenço

.. .. ..

Powered by Blogger

eXTReMe Tracker