Berilo Wanderley
O Bar e Confeitaria Cisne, uma tradição e uma legenda na vida boêmia e na paisagem humana de Natal, fechou suas portas, definitivamente. Apagaram-se as luzes foscas, como um palco que desce a cortina ao fim do último ato. Só faltou virem ao procênio os irmãos Miranda – Múcio, Ademar e Rossini – para receber as palmas dos últimos boêmios, remanescentes de uma confraria que povoou, durante trinta anos, aquele espaço, proseando e tomando cerveja, alegrando o coração, esquecendo mágoas, que, como as águas passadas, não movem moinho de ninguém.
A confeitaria enfeitava a fachada. Os três Miranda se desmanchando em cortesia e frases bonitas, no atendimento às senhoras e às crianças que chegavam à procura de doces, caramelos e salames. No segundo estágio do estabelecimento, vinha o bar, em contraponto. Onde se movimentaram as figuras joviais de Luizinho Doublicheque, Albimar Marinho, maestro Alcides Cicco, Newton Navarro, ainda o artista, quando jovem, o poeta Evaristo de Souza. Quase todos são fantasmas a sobrevoar a solidão do espaço vazio, neste final de abril, cantando em réquiem para o Bar Cisne.
Zé Américo, o garçon bojudo e cordial, se desmanchando para a clientela que era como que sua família, sentando, vez em quando, na mesa, de um do de outro, para tomar um solidário copo de cerveja. O maestro Alcides Cicco chegava, a voz de tenor, pedia uma champanha, e esnobava, triunfalmente. Albimar Marinho repetia um trecho de fandango, que sabia de cor, como os passo que encenava através das mesas. E havia o freguês que, vez em quando, rompia de dentro de um jipe de aluguel (era o início dos anos 50), pagava adiantado a “corrida” até sua casa ao chofer conhecido, entrava no bar, embriagava-se de frisante.
Depois que se foram, vai agora o Bar Cisne. Vai ceder lugar ao que chamam de progresso, isto é, um bloco de cimento armado com vigas de ferro, que dará muito mais dinheiro ao dono do chão. Os irmãos Miranda não vão abrir outro bar em parte alguma, para que o cisne, cheio de saudade, nunca mais cante, nem sozinho nade, nem nade nunca ao lado de outro cisne.
In O menino e seu pai caçador – Crônicas. Berilo Wanderley
Co-edição Clima/Fundação José Augusto – Natal, 1980.