domingo, fevereiro 06, 2005

Um barco e cinco destinos

Um barco e cinco destinos
(Fragmento)
“À luz de tantas estrelas
Quando a noite se avizinha
Rogo a Deus nunca perdê-las
No céu da minha Redinha”
João Alfredo

Dorian Gray

Foi precisamente a 30 de março de 1952, seis anos depois da II Grande Guerra, que um grupo de potiguares, chefiados por Ricardo da Cruz, iniciou uma aventura sem precedentes na história náutica de todos os tempos. Um Raid Natal-Rio de Janeiro em uma iole a 4 remos, denominada Rio Grande do Norte.
A idéia nasceu em 1936, na praia de Genipabu, num encontro de amigos. Tudo foi projetado de tal forma, que o sonho vingou, tendo a notícia se espalhado por toda Natal. Contagiados pelo entusiasmo, tomaram todas as providências. Infelizmente, a autorização do Ministério da Marinha não foi concedida na época, vindo somente 16 anos depois.
Tendo em vista a longa espera, temia-se que os nossos remadores estivessem desmotivados e não mais acalantassem o desejo que havia animado a todos. Eis que ressurgiram novos contatos e tudo cresceu, tomou vulto de tal forma que os primeiros companheiros de Ricardo da Cruz chegaram a Natal. Dentre eles, Oscar Simões e Francisco Madureira, ambos sendo recepcionados com um jantar oferecido pelo Sport Clube de Natal, na Peixada Pio X, localizada na praça de mesmo nome¹.
Além de grande comparecimento de desportistas, membros da comissão organizadora e associados do Sport e Náutico. Na oportunidade, usou da palavra o desportista José Guará, fazendo a seguinte saudação:
“Projetado pela primeira vez em 1936, não se realizou por falta de permissão especial do Ministério da Marinha. Não desanimaram, porém, os sonhadores. Tentativas após tentativas. Lutas, canseiras, alentos, esperanças, realidade. Enquanto isso ocorria, a iole Rio Grande do Norte, construído aqui mesmo, especialmente para aquele fim, dormia sobre os cavaletes da garagem do Sport. Havia até quem dissesse que aquele `batelão´ jamais sairia dali. Mas o velho Ricardo da Cruz, idealizador da prova, aguardava, confiante, a permissão da autoridade competente.
E, agora, hei-los em francos preparativos para a largada. São cinco ao todo: Ricardo da Cruz, Antônio de Souza, Clodoaldo Baker, Oscar Simões e Francisco Madureira, que levarão a `Rio Grande do Norte´ ao Rio de Janeiro.
Quatro pertencem ao Sport e um ao Centro Náutico. Estava completa a guarnição. Cinco remadores que se revezarão dia e noite nas suas posições. São antigos e leais companheiros. Não têm preconceitos. Sem interesses clubísticos, não envergarão as camisas de seus clubes, mas a tricolor do Estado, porque na arrojada travessia um só pensamento os anima, um só sentimento os irmana: a dignidade do Rio Grande do Norte.
É certo que os filhos de Poti não terão de enfrentar os abismos insondáveis de um mar tenebroso. No entanto, margeando as nossas costas, enfrentarão a chuva e o vento, sofrerão ameaças, aqui e ali, de ciladas sob as águas tranqüilas das enseadas e dirigidas contra a quilha de seu barco; sentirão o peso e a inclemência de um sol escaldante, queimando-lhes as costas, os braços, os rostos. De tudo estavam cientes. Bem sabem os bravos conterrâneos que não encontrarão um mar de rosas à frente. Ademais, ninguém ignora que sacrifício para eles, o abandonar o trabalho, a oficina, o lar, a família, o conforto de uma vida sóbria e feliz, pelas incertezas e sensações de perigo, de aventura. Mas os intrépidos remadores visam a conquista de um ideal. Um sonho acalentado há 16 anos precisa se tornar realidade. Eles estão obedecendo pelo fim a que se destinam. Sonharam um dia que estavam sulcando as águas da Guanabara. Uma brisa leve de uma tarde de verão, sacudia a pequena flâmula hasteada no castelo de proa da embarcação. As águas da risonha Guanabara, antes tranqüilas, estavam encapeladas. Viam-se barcos em todas as direções.
Grande o cortejo. Estandartes esportivos desfraldados. Apitos, salvas, ovações, delírio. Viva o Rio Grande do Norte!
Acharam bonito o sonho de muitos anos atrás, e querem torná-lo realidade. Chegou o momento da audaciosa investida. Partirão breve. Sejam felizes, bravos remadores do Rio Grande do Norte. Que Deus os proteja. Que a Senhora dos Navegantes os acompanhe.”
(...)
Na manhã do dia 30 de março de 1952, a cidade amanheceu em festa, no cais do porto, na Tavares de Lyra, pedra do Rosário, canto do Mangue e Rampa, bandeiras tremulavam, lenços acenavam, foguetões pipocavam, a margem do rio era uma só festa.
Barcos, canoas, jangadas, vindos de outras praias, traziam apoio e incentivo aos bravos potiguares. As ioles formaram um círculo no meio do rio, tendo ao centro a Rio Grande do Norte que seria acompanhada até a saída da barra.
Eram 7:30h. Os remadores chegavam de uma missa na capela do Colégio Salesiano e deu-se a bênção da iole, que teve como madrinha Dona Ivone Cavalcanti Reis, esposa do desportista José Reis, que, na oportunidade, ofereceu uma medalha de Nossa Senhora dos Navegantes a cada remador, seguindo-se uma saudação do professor Alvamar Furtado, desejando a todos uma feliz viagem. O Dr. Crezo Bezerra, então prefeito de Natal, fez a entrega de uma mensagem para ser dada pelos remadores ao prefeito do Distrito Federal.
Muitas foram as homenagens de autoridades, poetas e escritores. Todos queriam trazer a sua palavra de incentivo e encorajamento. Em meio a tantas emoções, foi lido belo soneto de Othoniel Menezes, oferecido a Ricardo da Cruz, e uma saudação em versos do poeta João de Amorim Guimarães.
(...)
No dia 21², à 8:00h, deu-se a partida do último lugar antes da chegada à capital federal.
Rumando em direção à entrada da barra, lá estavam a espera os navios de guerra “Graúna” e “Guajará”, entrando no canal o acompanhamento tornou-se grande com a presença dos barcos de regatas do Vasco da Gama, internacional de regatas.
Precisamente às 10h e 45min, atracou no cais do Ministério da Marinha a iole Rio Grande do Norte II. Ao som de hinos executados pela Banda Marcial, os nossos heróis, entre sorrisos e lágrimas, pisam em terra firme. Segundo relatos dos nossos remadores, foram vividos momentos de profunda emoção lá adiante, no palanque oficial. Faziam-se presentes as mais significativas figuras do mundo político, social, esportivo, além de comandos militares, entre eles, o vice-presidente da República, João Café Filho, nascido no Rio Grande do Norte, o almirante Renato de Almeida Guilobel, ministro da Marinha, Dulcídio do Espírito Santo Cardoso, prefeito do Rio de Janeiro, senador Francisco Benjamim Gallot e o deputado norte-riograndense José Augusto, senhores Mariano Freire e Ruy Lago, além de muitos amigos e admiradores do remo.
Iniciada a solenidade, usou da palavra, em emocionante saudação, o jornalista e escritor Austragésilo de Athayde, e o poeta José Jaime.
Concluída a solenidade, a esposa do vice-presidente, Sra. Jandira Café, fez a entrega de uma taça de prata aos tripulantes da iole. Em seguida, foi oferecido um almoço no restaurante da Marinha, indo depois para o Hotel Mem de Sá, como hóspedes do governo.
Durante a permanência dos potiguares no Distrito Federal, a iole Rio Grande do Norte II ficou em exposição na praça da Cinelândia.
Cada remador recebeu a quantia de CR$ 2.500,00, enquanto Ricardo da Cruz recebia CR$ 7.500,00, para cobrir despesas efetuadas durante o raid que foi desdobrado em 2 etapas: a primeira, em 30 de março de 1952, concluída em 2 de junho do mesmo ano, com a destruição da iole Rio Grande do Norte, em Mangue Seco, Sergipe; e a segunda, iniciada em 18 de janeiro de 1953 e concluída em 21 de maio, com a chegada ao Rio de Janeiro.
Segundo a BBC de Londres, este foi classificado como O maior feito náutico do Mundo.
A iole Rio Grande do Norte se encontra atualmente no cabide da sede do Sport Clube de Natal, esquecida como foram os seus heróis.

In Heróis do Remo, História do raid Natal/Rio de Janeiro, João Alfredo.
Editora Clima. Natal, 1987.

¹. Onde hoje está erguida a Nova Catedral.
². Maio de 1953.

por Alma do Beco | 5:28 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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