terça-feira, setembro 06, 2005

SE A FARINHA É MUITA...

Haja jabá!
Colégio Eleitoral, governo temporão!



Se a farinha é muita, o meu tempero eu quero

Salve-se quem puder: é esse o viés mais estarrecedor dos atuais dias da política brasileira.
Manobram-se em todos os sentidos evitando-se envolvimentos ou provas, e, no entanto, bombas de efeito prolongado atingem direita e esquerda indistintamente.
Já não existe trigo ou joio: são todos lobos vorazes de matilhas diversas.
Lobos que conhecem lobos, que conhecem pontos fracos da sua própria e da matilha inimiga.
Nesse jogo, virtudes parecem inexistir: “não me atinja, que não te atinjo”, é a tábua de salvação onde a arma afiada de dentes expostos e dedos em riste passa a ser o “se eu cair, levo você comigo”.
O cenário pantanoso deixa à mostra uma cadeia de efeito dominó que ameaça a derrubada senão de todas, mas da maioria das peças, denotando um pecado que, de tão disseminado, se protege em si mesmo.
Quem restará para acender novas luzes?
É a pergunta que fica no horizonte avassalado por uma onda tsunâmica e katrinesca que expõe a selva política da noite sem lua que vivemos.
Se existem soluções?
No povo, talvez.
Mas esse ainda dorme e, se acordar, vai tender a substituir peças tão somente, mantendo a mesma máxima do “primeiro o meu”, resumo da ópera que orienta todo esse jogo do “farinha muita, meu tempero eu quero”.

Eduardo Alexandre


Resumo

Chegando acanhada,
Querendo ficar, tendo que ir
Provando estar, sabendo sumir
Tentando paralisar, fazendo explodir
Doces, dourados efêmeros momentos.

Deborah Milgram



Guava jam

Era só um doce de goiaba, cremoso como se passado no liquidificador. Mas, naquele tempo, onde os ingleses tinham o seu próprio cemitério, o bonde era da Tramways, a luz da Light, os navios do Lloyd, os aviões da Panair, os telegramas da Western Telegraph e os trens da Great Western, o doce cremoso de goiaba, fabricado por uma indústria genuinamente pernambucana, se chamava Guava Jam. E nem era geléia...

Márcia Maia
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A SEDE


O tenente Ariclécio comandava aqueles seis homens e todos eram recém-chegados da capital. A volante corria a toda por entre a caatinga perseguindo o grupo de cangaceiros. Pega-não-pega. Avelós. Xique-xique. Macambira. Facheiro. Barba de Velho. E o cáqui marrom bufento das fardas quando pegavam um espinho mais arretado, rasgava como papel na mão de criança.

Mas eis que, senão quando, os “macacos” se encontraram numa clareira aberta no meio daquele mundão de caatinga e nada dos perseguidos. O tenente, mesmo que temporariamente, deu-se por vencido, vendo que tinha perdido a pista dos cangaceiros.

Ao passarem o resto do dia procurando novas pistas, o tenente chegou a conclusão que estavam perdidos no meio daquele escaldante e desolado sertão nordestino. Andou a esmo com sua tropa, sem deixar transparecer sua desorientação, até se dar conta que além de perdidos estavam sem água para beber.

Tentando conter o caos que já assolava seus comandados, e como o sol já se punha, resolveu que acampariam ali mesmo entre as pedras, onde estavam, e que pela manhã logo cedo saíriam à procura de água.

Mas a sede era mais forte que o cansaço, e, logo logo, o receio da morte começou a gerar loucura entre os homens do tenente. Foi aí que Ariclécio, valendo-se da sua autoridade e dando o exemplo, sugeriu que aqueles mais desesperados com a sede molhassem a garganta com uns poucos goles do querosene das lamparinas que íam presas aos alforjes. E, para isso, deu o exemplo, bebendo dois bons goles. Alguns beberam, outros não, mas foi o suficiente para serenar os ânimos da tropa. Depois que todos se prepararam para dar um cochilo, o tenente informou que, ao nascer do sol, seguiriam na sua direção até encontrar água.

Já era alta madrugada quando os “macacos” e os cavalos foram tomados de sobressalto com o barulho de um tiro semelhante ao de uma poderosa espingarda. Levantaram-se todos pegando suas armas e deram conta que o tenente tinha sumido do acampamento.

Pelo desfecho, o cabo Lourival assumiu o comando e já que todos tinham levantado, partiram pra o leste na direção informada pelo tenente.

Qual não foi a surpresa, após seis horas de cavalgada, quando, de manhãzinha, encontraram um vilarejo. Foi uma alegria total. Mais alegria ainda é que nesse mesmo vilarejo também encontraram, todo chamuscado e ainda assustado, o tenente Ariclécio que, ao vê-los, exclamou: “Espero que ninguém também tenha peidado”.

Tadeu Neri

... Ma belle

Ma belle, mais versos perdidos na alma do papel que já se desbota na gaveta. Medi os sons, montando sílaba a sílaba com o auxílio dos dedos. Mutilei a liberdade poética sem o menor pudor para vesti-las com um poema nobre, metódico e alexandrino com o qual batizaram a musa que não sabe que é musa nem se enxerga nos desconformes da inspiração.

Inspiração inútil. Isso porque me faltam forças para trazê-la à luz da verdade. Inverdade? Invejo as pessoas de saliva fácil que acreditam nas forças ocultas do veneno da idéia em estado de graça. Incluo-me entre os tímidos incapazes de conquistar a sorte de ser mortalmente atingido por um beijo marginal. Idiota encurralado pela sombra da catástrofe.

Catástrofe é o estado sobrenatural do meu peito. Como peito? Cafona falar de peito. Como você? Como! Certamente igual. Como você, carrego dezenas de anjos que atiçam a chama do meu inferno particular, caçoando de mim com aqueles olhares, com aquelas bocas, com aqueles sei lá o quê não sei das quantas, caçoando de mim e dos outros homens.

Homens desesperados por lirismo. Habitar os pensamentos do lirismo seria pedir demais? Horror! Hoje não há espaço. Haverá de ser no futuro, haverá de ser talvez o destino deste corpo largo que me sustenta nos rastros do apocalipse da carne, harmonizado no cheiro das ilusões jogadas entre o que se vê e o que é verdade de verdade na rua da espera.

Espera é calvário de esperança, esperança é infância de espírito, espírito que me invade por enquanto, enquanto não me canso dos espasmos, espasmos travestidos de espadas, espadas sanguinárias de outras eras, eras registradas entre as vértebras da espinha, espinha por onde sobe um frio em espiral, espiral de silêncio que atiça o gelo ardente da loucura.

Loucura de alcançar a clemência de seus beijos, lançando-me do cume do devaneio que criei só para você. Levemente embriagado das Iluminações do abismo de Rimbaud, levo horas “à espera de ser um louco muito perigoso”, lá nos domingos em que “crianças sufocam maldições nas margens dos rios” em cujos leitos habitam fantasmas de luxúria.

Luxúria irmã de minha alma assujeitada por desígnios do pecado. Louvada seja a doçura do pecado! Louvado seja o seu nome que enseja tais desvios aos meus olhos e à minha boca. Leia neles e nela o seu nome se for capaz. Lapidei cada letra numa nuvem diferente com a cor da voz da ventania. Leves nuvens interligadas nos espasmos dos eclipses.

Eclipses formados entre lampejos de farol nublam a vista dos sobreviventes da Catarineta, escurecendo as veredas das marés enquanto mais distante da salvação e mais próximo do inferno o espectro de mim entoa canções de amor e de guerra no silêncio sepulcral dos campos de batalha, espelhos sanguinários dos demônios inventores da paixão.

Cid Augusto



Carta para Yenoh*


Sri Lanka, 05 de abril de 1968.
Minha doce, Yenoh

Esta carta nasceu de um sentimento que há muito me perturba, minha querida Yenoh. Uma provocação interna que me põe a indagar qual o propósito da minha vida, e, que, se a priori, não parece complexa a pergunta, certamente para mim, o tem sido.

Faço este exercício contemplativo enquanto deitado, embora não fique restrito ao conforto de uma cama. Minha única exigência é o silencio. Agora, encontro-me deitado, e como sempre, inicio minha procura, pensando em você, Yenoh. Tenho pouco controle sobre isso. Depois de você vem o silêncio. Divago no desconhecido. Ansioso. Inquisitivo. Insaciável. Afinal é sobre mim que procuro respostas.

Não sucumbo aos pensamentos simplórios de que a vida resume-se ao bom caráter, boa educação, diploma universitário, trabalho e a criação dos filhos. Este é o pensamento do conformista que se esconde sob a égide da ignorância. Este é o pensamento daqueles que reduzem a vida-plena, a uma formula. Uma equação. Aceitar a vida, assim, é subtrair dela seu verdadeiro frescor e propósito, meu doce.

Procuro, procuro, e procuro. As respostas parecem, minha bela Yenoh, estar tão próximas, e tão longe ao mesmo tempo. Por vezes, na minha solidão, quase consegui capturar a essência da minha existência. Pensei que havia, finalmente, entrado no mundo desconhecido das revelações. Havia atingido um nível de concentração espantoso. A razão da minha existência estava na eminência de ser revelada. Estava a segundos da alegria plena.... Mas sem que eu tivesse controle, surgiu sua imagem inesperada, invadindo o meu silêncio, deflagrando, em mim, uma desconcentração suficientemente cruel, permitindo que tudo me escapasse a consciência, vagarosamente, antes que eu pudesse absorvê-las. Acordei em pânico. Reconheço que preciso me dedicar mais à busca. Preciso silenciar a mente mais vezes e por mais tempo e com menos interferências. Queria poder achar a felicidade nas coisas efêmeras, nas coisas simplórias. Evitaria, assim, o martírio que sofro diariamente. Ahhh, se meu pensamento não vagasse além do que posso ver. Mas é o escuro, por trás do visível, que me atrai. Busco o que todos evitam: o desconhecido.

Recuso-me a acreditar que vim para esse mundo para viver no raso, e ser uma marola que mal consegue balançar o barco (minha própria vida), ou ser o vento que deixa intacto, o tremular da vela. Se servir, a mim, é meu destino, então não farei falta ao mundo quando partir. E se falta não farei, por que vim? Será Deus tão desalmado, a ponto de dar espaço a quem irá apenas ocupá-lo para nada? Ou estou incumbido da minha própria descoberta? Essa é minha busca, Yenoh.

São inúmeras as perguntas. Poucas são as respostas. Os homens não ponderam sua própria existência. Concentram-se em conhecer o outro, enquanto desconhecem a si, e por isto são infelizes. Eu, Yenoh, vago no vale da escuridão, procurando o desconhecido, e com ele, as respostas para minha vida.

Escrevi por escrever, embora saiba que seus olhos jamais passarão por esta página. Nunca leu nada que escrevi, nem tampouco se preocupou com a minha busca. Agora que você se foi, atenta-me a todo instante onde menos tenho controle: o subconsciente. A busca é complexa, Yenoh, e é a mim que procuro, não a você.

* Carta encontrada no bolso do paletó do escritor, na exumação de seu cadáver.

Adeus, Nalehp O. Selrahc


Charles Phelan

por Alma do Beco | 6:52 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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Praieira
(Serenata do Pescador)


veja a letra aqui

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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