sábado, setembro 03, 2005

DE REPENTE, ACIDENTES

Eric Gay A/P


(Para ler, ouvindo Dear Old Southland, em alguma versão de 1937)

Um dia o rio Mississipi iria se vingar. Era inevitável. Quando você desobedece as regras de um rio, ou ele morre deprimido ou fica irritado e sacoleja feito uma seperpente de água a arrastar a vida dos homens. Nova Orleans era uma das cidades que estavam na minha lista. O delta do Mississipi tem uma mística toda própria para quem gosta de boa música. Cenário natural do Blues e do Jazz, aquela região parece guardar as raízes do que a cultura norte- americana produziu de melhor. Uma música que surge da alma profunda da América negra e que contamina o mundo a muito tempo.
A cara de minha Nova Orleans imaginária sempre foi mesmo Sidney Bechet, com seu sax soprano ou com seu clarinete. Especialmente o Bechet que tocava Wild Cat Blues, ou I´m a Little Blackbird, junto com o Louis Armstrong em 1924. Acho que uma das versões mais belas de Summertime (a música que mais sintetiza um verão causticante) é a que ele toca em 1939 junto com uma execução maravilhosa de Teddy Bunn no violão.

Por Bechet, Nova Orleans deveria ter sido poupada. Mesmo que a cidade fosse uma porcaria (eu não sei, não conheço), mesmo que não houvesse um único homem justo a viver naquela terra e Yaweh, com seus picos de ira injustificada seguidos sempre de uma misericórdia incontida, resolvesse transformar todo mundo em estátua de sal, ainda sim, por Bechet, as ruas e casas de Nova Orleans deveriam ter sido poupadas.

Mas não dava para ter argumentado isso com um furacão. Não dava para ter dito: “Ei, destrói Las Vegas! Deixa Nova Orleans inteira, cara!”. Ele não iria entender. Um furacão não sabe o que é boa música, e a natureza é muito ensimesmada para ter piedade dessas invensoezinhas humanas. A nossa espécie anda pela terra a um punhado de milênios, fez muita besteira, mas também, para compensar, andou fazendo coisas boas. Andou dando uma força para a natureza e espalhando beleza por aí (apesar de que, se formos fazer o cálculo entre a porcaria e a beleza, acho que a beleza sai perdendo). Mas quando a gente olha o clima louco desses dias, vê o resto da beleza do homem escorrer sem cerimônia para a vala comum das espécies em via de extinção perde um pouco a autoconfiança e começa a pensar sobre o que realmente importa.

Você pode botar a culpa na porcaria daquele dique, pode por a culpa na droga do carbono que esquenta a atmosfera, pode até culpar o Zé Dirceu, não importa. O fato é que esse processo natural que a turma vinha alertando a muito tempo já está andando, só não vê quem ganha dinheiro da indústria do petróleo. O pior de tudo isso é que, diante dessas forças caóticas da majestade natural não existem argumentos morais ou estéticos. Não adianta ser bom ou justo, nem gostar de Jazz.
Não adianta pontuar o mundo com beleza e bondade porque a beleza e a bondade do homem são abstrações estranhas e incognoscíveis para a ordem natural das coisas. Um furacão, um ciclone extra-tropical, um tsunami, um vulcãozinho qualquer, não entende nossas aflições e nossos sonhos, não se preocupa se no nordeste do Brasil tem um escritorzinho idiota, fissurado em música e que queria ir a Nova Orleans entrar em contato com o espírito profundo do Jazz. Esses são sonhos humanos e limitados que andam distantes das massas tectônicas e dos ciclos de pressão atmosférica.
De repente, um acidente natural vai lá e estoura a humanidade. Por isso, aprenda logo a não desperdiçar a sua vidinha com banalidades, aproveite bem o dia e exercite o bom hábito de cultivar o essencial, porque o circunstancial, o periférico, o dispensável, o furacão passa e leva embora.

Pablo Capistrano

por Alma do Beco | 8:57 PM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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