sábado, setembro 10, 2005

PHELAN E OJUARA


Meu irmão, a gente resolve tudo.
Vamos conversar?
5 sessões, 30 dias!




O POÇO

Ninguém ouve, mas eu ouço...
Os passos; as vozes
No fundo do poço.

Me sopram o chamado, e me chamam de amigo
Me alisam o corpo... E eu ouço...
Os passos; as vozes
No fundo do poço.
Evito pensar. Pensar que estou louco
Não posso fugir...E eu ouço...
Os passos; as vozes
No fundo do poço.

É lá que eu habito no tempo ...é lá que eu sinto o sufoco
É lá... Que eu ouço...
Os passos; as vozes
Do fundo do poço.

... Ainda ouço...
Os passos; as vozes
Do fundo do poço.

Charles M. Phelan



O Imigrante

Não me sinto à-vontade para falar-lhe sobre minha cidade ou minha vida pessoal, mas o farei mesmo assim. Evito qualquer esforço desnecessário. Minha saúde está fraca. Começarei pelo passado. Lembro que a minha juventude foi marcada por momentos fantásticos que me fazem, hoje na minha velhice, querer revivê-los. Digo-lhes para ensinar-lhes uma lição. Uma lição de vida. Uma lição de apreciação pelo que temos ao nosso redor. Foi por isso que resolvi falar. Contar tudo. Quase tudo... Sou ciumento, e às vezes egoísta, e como todos afligidos por esse mal, não gosto de compartilhar o que é meu.

Glorifico-me no único poder que a vida me reservou. Poder falar aos mais novos sobre o que tive e o que fiz na minha juventude. Vivi intensamente cada momento.

Dos quinze aos vinte anos fiz tudo que podia. Jogava peladas nas praias do bairro, olhava as meninas de biquíni, até bebia umas cervejas para tentar impressionar “as gatas”; o linguajar que as denominam hoje. Passei o tempo entre atividades acadêmicas, as quais pouco me interessavam, e atividades sociais. Meu passatempo predileto era ficar conversando bobagem com os amigos. No fim das tardes o movimento da cidade acelerava, os faróis dos carros ligados e o ronco dos motores me animavam. O sol cor de brasa maquiava aquele céu lindo. Era o adormecer do dia... e o acordar da noite que me interessavam. Eu e meus amigos fazíamos a maior algazarra, contando piadas de noite adentro. Suponho que essa alegria era transparente, óbvia, e até causadora de inveja.

O fim das tardes era tudo que eu almejava naquela época. Íamos até a praia no velho fusca só para ver as dondocas.

Mas com vinte e poucos anos tive que deixar a minha cidade e ir a procura de sustento em outra. Meu paraíso já não parecia tão acolhedor. Cheguei a achar que tinha perdido o amor completamente pelo lugar, ou que o lugar o tinha perdido por mim. Emprego era escasso. Fui para outro país tentar a vida e ser um forasteiro. Trabalhei duro, fui maltratado, desrespeitado, abusado, xingado e mal remunerado. Quis aproveitar a idade de jovem rapaz para construir o famoso “pé de meia”. Oh! Que ilusão... a meia estava furada. Não consegui economizar sequer um dólar. Nada parecia como a minha cidade, lembra? aquela que deixei? Eu enchia a boca de “a minha cidade.” falava para os gringos de suas maravilhas, das belas praias e do povo acolhedor. Procurei achar forças na imagem da terra que deixei, e nas memórias de bons tempos. Notei que quanto mais me injetava de lembranças passadas, tentando acordar momentos felizes que já hibernavam por muito tempo, mais me rasgava o coração de saber quanta falta aquele lugar me fazia. Na América a realidade era outra. Poucas amizades e muita solidão. Eu tinha trocado o cheiro salgado do mar pelo frio doloroso das Américas, ou “States”, como falávamos naquela época. Havia trocado a camaradagem do povo da minha cidade pelo egocentrismo e frieza dos gringos.

Aos quarenta anos, ainda vivia com imensa saudade da minha terra. Porém lá, eu seria considerado um idoso, um incapaz, um inválido por ter chegado aos quarenta. Como doía meu coração em saber que me faltavam argumentos para combater os constantes insultos dos gringos. “Por que não volta para sua cidade se é tão boa e acolhedora?” diziam os filhos da puta com sorrisos irônicos. Os olhares consternados pelo simples fato de ter de lidar com mais um latino, sempre me fizeram sentir como um estranho. Quase vinte anos haviam se passado, e eu, ainda não me sentia à vontade – ainda não me sentia em casa.Continuei sonhando no meu retorno.

Mais uma década passou e o sonho não veio. Aos cinqüenta me vi sem dinheiro, e sem ninguém para chamar de amigo. Foi ainda mais estranho. Tinha conseguido chegar ao impossível. Um homem sem pátria, sem dinheiro e sem alguém para chamar de família. Tinha concentrado todas as minhas energias em uma única coisa – voltar para minha cidade – e deixei de viver o presente. Sentia-me aprisionado. Aprisionado fora da minha cidade. Acho que preferia ter sido um detento na minha terra, que um homem livre lá nos “States”. Pelo menos era a minha Terra, o meu sol brilhante no final das tardes, meus novos e velhos amigos, conversando bobagens. Quem sabe até jogaria um futebol...

Chegou à idade de me aposentar. Sessenta e sete anos de vida. Finalmente, só mais um mês e good-bye trabalho, good-bye América. Comecei a pensar o que faria com este novo começo, com esta nova vida. Sonhava com o aroma do mar, com o chiado das ondas alisando a areia, o roçar das palhas dos longos coqueiros. Sonhava até com a textura da areia, fria, entre os meus dedos. Parecia uma criança em véspera de natal. Sonhava até mesmo comigo aos vinte anos e com os amigos. Aqueles velhos amigos da época. Quem sabe ainda estariam vivos.

Comprei minha passagem de avião. Ia para casa finalmente. Quase cinqüenta anos longe daquilo que eu mais amava. A minha Terra! A minha cidade! A minha liberdade... Ia para minha cidade, só minha, só minha. Com a passagem em minhas mãos, hoje velhas e enrugadas, as lágrimas me caiam a face sem que eu pudesse contê-las. O soluço me tirava o ar. Duas malas resumiam cinqüenta anos de trabalho. Toda a minha vida em duas malas. No aeroporto as pessoas me olhavam confusas. Quem sabe indagavam o porquê de um velho em prantos. As minhas mãos tremiam segurando a mais preciosa das jóias naquele momento – a passagem para liberdade. Foi assim que eu a apelidei carinhosamente: a passagem para liberdade. Que ironia.havia falado o mesmo quando estava para ir para América. Uma vontade imensa de gritar “LIBERDADE!”, antes de embarcar, mas me contive e silenciei.

Fazem treze anos que estou de volta a minha cidade. Estou doente, condenado a morrer a qualquer momento do câncer que me afligi, me devora e corrói os intestinos. Resolvi compartilhar essa estória, pois talvez não tenha outra oportunidade. Estou fraco, mas feliz. Tive o prazer de ver o mar, o sol radiante, as pessoas, e sentir o clima agradável daqui. Joguei dominó com velhos e novos amigos que fiz nas calçadas, como a sessenta anos. Ainda continuo ciumento, e por esta razão lamento não poder revelar onde é a minha cidade, pois como já havia falado – a quero só para mim, só para mim, nos meus últimos dias...

Charles M. Phelan



Boa mesmo é a noite do corno resolvido
ENTREVISTA COM FÁBIO DE OJUARA
Verso X Versos
Diário de Natal, 14 de Março de 1996

VVV - Ojuara, chifre pesa em cabeça de corno?

Ojuara - No princípio, sim. É claro que antes de casar, as experiências anteriores sempre são um bom aprendizado. Até que você escolhe a mulher ideal, a mais pura, a mais honesta, a que promete fidelidade para sempre, e aí você cai na conversa, certo de que será feliz num casamento duradouro. Quando os amigos começam a rir por trás de você, sem que você saiba bem porque, é aí que começam as desconfianças, e você passa a sentir-se incomodado. Aquela estória do melhor amigo, quase sempre é batata, é ele o primeiro a usufruir de sua mulher. Ele chega para uma cervejinha e você não está, ficou trabalhando até mais tarde, e aí a coisa acontece. Conversa vai, conversa vem, e a mulher termina por confessar a insatisfação sexual do casamento. "No melhor da festa, ele goza e dorme, e eu fico o resto da noite a ver navios, esperando pela noite seguinte que vai ser do mesmo jeito", começa ela provocante, oferecendo uma bebida mais quente, uísque, conhaque, até que o car a não mais agüenta tanta provocação e termina por trair o amigo, certo de que ele jamais saberá do ocorrido. Ele freqüenta mais algumas vezes a sua casa, fica meio acanhado de sua companhia, até que a amizade vai azinhavrando e ele passa a encontrar-se com ela em motéis de segunda categoria. Depois de um certo tempo, a insatisfação dela continua, agora com ele, já sem o pique inicial da traição, parceiro já conhecido, tudo explorado e novidade nenhuma a experimentar. Aí a cama do marido ganha tesão novamente e ela passa a demonstrar maior carinho com o lar. Mas vem a recaída e ela procura outro alguém, agora já fora do ciclo de amizade, alguém do trabalho ou mesmo um desconhecido que lhe passa uma cantada na rua, oferece-lhe um sorvete, e pronto, a desgraça mais uma vez acontece. De parceiro em parceiro, a notícia vai se espalhando. O seu irmão chega e diz que ouviu a conversa numa mesa de bar, você não acredita, pergunta ao seu melhor amigo se el e sabe de algo e ele nunca sabe, até que as conversas são tantas que você começa a desconfiar mesmo de que aquelas estórias têm fundamento. É aí que o chifre pesa. Você fica capiongo, entristecido, louco para saber onde você errou, já não mais se achando o mais vigoroso varão.

VVV - E aí, o que você faz?

Ojuara - A primeira coisa são as insinuações. Morto de vergonha, você passa a inquirir a mulher disso e daquilo. Onde você andou, por que demorou tanto, onde está gastando tanto dinheiro. A mulher sempre tem resposta convincente, e, na cama, tira qualquer dúvida do pobre do corno. Presenteia-o com uma noite das mais maravilhosas, insinua coisas que ele jamais ousou e o relacionamento sexual vai ficando cada vez mais gostoso, a mulher a demonstrar uma tesão insuspeita em você, inebriado pelos seus suspiros e arquejos, cada vez mais langorosos. Mas as chacotas continuam e você volta a ficar murcho, andando pelos bares, decaindo, decaindo, até amanhecer na sarjeta, depois de uma noite a ouvir Reginaldo Rossi.

VVV - E o cara não toma nenhuma providência, Ojuara?

Ojuara - Ele pensa logo em contratar detetive, mas morre de vergonha. Aí passa a procurar raparigas nas ruas e vinga-se da mulher corneando-a também. Isso até que ajuda um pouco e ele até retoma uma felicidade aparente. Mas a notícia já está no mundo e as insinuações tornam-se cada vez mais freqüentes, os amigos cantando "lá vem ele, com a cabeça enfeitada"... e você passa a nem mais dar-se a respeito. E cai na dor de cotovelo de novo, volta a sarjeta enquanto a mulher está a vadiar nos motéis da cidade. É um inferno esse período. Aí você toma uma decisão. Parte para uma conversa franca com a mulher, diz que vai deixá-la, que não suporta mais ser chamado de corno pelos amigos, pelos inimigos, até pelas mulheres. Mas ela volta a premiá-lo na cama, mostra novos segredos e é aí que você passa a desconfiar mesmo dela. Onde diabos ela aprendeu isso que eu nunca fiz com ela? E aí você passa a experimentá-la, cada noite mais excitado, a mulher a inventar posições e práticas inusitadas, deixando o marido morto na cama, sem agüentar mais nenhuma.

VVV - Ele passa a gostar da situação?

Ojuara - Em parte, sim. Ele desconfia, mas ainda não tem certeza de que é corno, e essa dúvida atormenta-o. Aí ele toma a decisão de seguir a mulher. Diz que vai trabalhar até mais tarde e fica na esquina esperando. Ela toma um ônibus, ele toma um táxi e segue, dizendo para o motorista que é da polícia civil e está espreitando perigoso trombadinha, suspeito de um crime de morte. Ele perde a mulher de vista e adia a descoberta, até que um belo dia ele flagra a mulher entrando num motel com um conhecido seu, de farra. Aí você fica desesperado, tem vontade de matar, de morrer, mas não tem coragem de surpreender a mulher na cama com o outro, conhecido seu, a notícia a se espalhar de vez entre todos. Você fica atordoado, passa uns dias sem querer voltar em casa, até que a mulher o procura com conversas de "o que foi que aconteceu?", "por que você não vai mais dormir em casa, filhinho?" E você, já desprovido de qualquer orgulho ou auto-estima, há dias sem ver mulher, parte disposto a tirar o atraso, e dá todas, certo de que está enganando a companheira com seu silêncio. No dia seguinte, tem vontade de lhe dar umas porradas, dizer que sabe de tudo, mas vai para o trabalho caladinho, doido para que chegue a noite, para pegar a mulher de novo, certo de que ela o traiu, mas sem demonstrar qualquer desconfiança, tornando ainda mais prazerosa aquela noite, a mulher cansada, sem mais nada querer, e você em cima, a exigir os prazeres que ela vem proporcionando fora de casa, você agora a inventar coisas que ela nem sequer jamais insinuou. Aí você fica nesse jogo de gato e rato por algum tempo, até que diz conhecer toda a estória da traição, citando nomes, lugares, toda a safadeza que ela vem fazendo esse tempo todo.

VVV - E aí?

Ojuara - Aí ela queda-se derrotada. Termina por confessar tudo e pede perdão, diz ser uma coisa compulsiva, que precisa de ajuda para não mais cair em tentação, chora, diz que lhe ama, e você vai para o trabalho como um rei, arranja umas putas, passa novas noites na rua, certo de que a mulher está em casa, arrependida, sem nada fazer. E está mesmo. Agora é você quem está por cima, a mulher acabrunhada, com medo de cair de novo em tentação, e você a corneá-la todas as noites, tomando fôlego, refazendo-se das dores sofridas durante tanto tempo.

VVV - E aí a mulher se regenera e o casal é feliz para sempre?

Ojuara - Que nada. Mulher que trai, trai. É só uma questão de tempo. Mais dia, menos dia, ela volta ao paraíso, só que agora você sabe que ela o está corneando mesmo e passa a nem ligar. Ela lhe corneia de um lado, você corneia ela de outro, fica tudo um a um e a vida melhora para ambos.

VVV - Quer dizer que o corno passa a gostar da situação?

Ojuara - Tanto que a melhor noite para ele é quando ele sabe que a mulher o traiu. Aí ele pega, e sente-se no direito de todos os prazeres. Mata a mulher de cansaço, dá três, dá quatro, na frente, atrás, emborca, faz o que quer, e a mulher ali, pronta pra tudo, sem nada dizer. A melhor noite do corno é quando ele tem certeza de que naquela tarde, a mulher o traiu.

VVV - Ojuara, como a cidade do Ceará Mirim recebeu a idéia de criação da Associação dos Cornos que vocês fundaram por lá?

Ojuara - Não muito bem. Eles pensaram que era provocação, já que a cidade tinha fama, mas logo perceberam que os cornos estavam se assumindo, associando-se, e hoje já não causa mas nenhuma polêmica. Depois daquele programa do "Você Decide" que tratou do assunto e eu fui entrevistado ao vivo para todo o Brasil, o pessoal da cidade viu que havia outras associações no país e me deixou mais de mão. A paz voltou a reinar na cidade.

VVV - Se você voltasse a se casar, teria medo de chifre?

Ojuara - Com certeza, não. Até ia incentivar a mulher, para que nossas noites se tornassem mais gostosas.

VVV - Quer dizer que você não mais se importa em ser corneado?

Ojuara - De jeito algum.

VVV - Você é adepto da troca de casais?

Ojuara - Como assim?

VVV - Tem casais que só se satisfazem quando trocam os parceiros. O marido fica com a mulher do amigo, e este com a sua mulher. Vão para um motel e lá se divertem como gostam.

Ojuara - Não. Aí eu não topo. É diferente. Isso é pouca vergonha. Sou daqueles que admitem o chifre, mas daí a levar a mulher para outro cara transar e eu transar com a dele, isso não. Ela que vá a luta, procure com quem também se realizar, que eu faço o mesmo. Eu sou corno do tipo tradicional, não sou chegado a essas modernidades sexuais de hoje, não.

VVV - Você é favorável a sexo grupal?

R - De jeito nenhum. Não confunda. O fato de ser corno não quer dizer que eu seja permissivo. Eu dou liberdade a mulher. Se ela quiser, que use. O bom é quando você não tem certeza de que houve a traição. Só desconfia. O ciúme é que não deve existir. Ele acaba qualquer casamento.

Eduardo Alexandre

por Alma do Beco | 12:39 PM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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