quarta-feira, julho 06, 2005

OS NOSSOS HERÓIS

Globosat

O Brasil não tem o que reclamar. Sempre gostou de falsos heróis. Gosta tanto, ainda, que agora mesmo os cofres públicos estão pagando indenizações milionárias aos heróis de ontem. Pagou tudo. Nada tem mais a pagar. E se de nada o poder público pode ser cobrado, é porque a luta tinha um preço. Uma história recente, da pós-ditadura. Isso quando não confundimos heróis com ídolos. Aqui, tem herói de todo jeito. Herói que morreu pela pátria; que matou pela pátria; e que mandou matar pela pátria. Numa mixórdia tropicalista e carnavalizada.
Vi o Brasil sepultar Airton Senna com honras militares, seu esquife sobre os ombros de bombeiros num desfile pelas ruas como se, em vida, tivesse sido um herói a defender causas coletivas. Certo, era um campeão de Fórmula I. Um grande piloto. Mas não era herói. Morreu trágica e precocemente, sim. Não contesto. Mas ser piloto de carros de corrida é um ato voluntário. E a Fórmula I é um circo espetacular e milionário. Ele recebia milhões para arriscar a vida. E era generoso. Tudo verdade. É que só a bondade humana mata o remorso.
Ora, o Brasil gosta de falsos heróis. Vejam o caso de Roberto Jefferson. Ninguém duvida da faxina que vem fazendo nas relações internas do sistema político. No escambo espúrio desse mercado sujo e pulguento do toma-lá-dá-cá. Mas foi ele o defensor de Fernando Collor, quando a sociedade brasileira queria arrancá-lo do governo numa derrubada histórica. Mas, antes disso, nós o fizemos herói com o título majestoso de O Caçador de Marajás. Numa cadeira de rei, na capa de Veja. Foi mais um falso herói e só caiu porque deixou os rastros.
Na verdade, Roberto Jefferson pode muito bem argumentar que defendeu nosso herói. Um herói que depois caiu em desgraça. Nós gostamos de farsa. E somos dramáticos. Fizemos de Tancredo Neves um segundo Tiradentes. E ele foi um herói tão assim? Um herói das manhas e artimanhas mineiras. Bastou uma greve de professores em Minas e mandou às ruas tropas de choque, não lembram? Fartas e agressivas, já esqueceram? E os aviões das grandes empreiteiras a serviço dele na luta das Diretas como Veja mostrou? Já estão esquecidos?
São poucos os nossos heróis. Pouquíssimos. Agora mesmo perdemos alguns deles. Ex-guerrilheiros e ex-militantes da luta armada. Não resistiram ao fascínio do poder. Uma vez encastelados, não foram diferentes de Robespierre. Também degolaram, em forma de expulsão do partido, as cabeças dissidentes. Porque o coro dos contrários, hoje, como ontem, é insuportável aos ouvidos dos poderosos. A crítica é perigosa para quem detém o poder. Desmascara. Desnuda. Desmonta a farsa. E grita, como o menino da fábula, que o rei está nu.
São pouquíssimos os nossos heróis. E se há um símbolo de herói de verdade, é o brasileiro anônimo. O homem comum. Muitas vezes enganado nas suas esperanças. O homem sem nome. Sem emprego. Sem sistema de saúde. Sem educação. Sem segurança. Sem cidadania. Sem dono. Sem nada. Esse é o único herói que resiste a tudo e a todos. Com o destemor de lutar todos os dias para sobreviver. Ali, toma um porre de vida no futebol; acolá, o pileque de esperança no jogo do bicho; e vai indo. Passo a passo. Triste e cansado. Herói de si mesmo.

Vicente Serejo
Natal/RN
O Jornal de Hoje, 6 de julho de 2005
www.jornaldehoje.com.br


por Alma do Beco | 6:14 PM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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