5 de outubro de 2001
A guerra sem fim
Vivo ou morto, Osama bim Laden será por muito tempo um fantasma a levar medo ao povo e a dirigentes norte-americanos, judeus e de nações ocidentais. Será uma referência cáustica de mito, heróico ou satânico, a dividir a opinião mundial. Pior inimigo, os Estados Unidos jamais tiveram.
Morto, o corpo de bim Laden será exibido ao mundo? Pelos atos perpetrados, ele já demonstrou, vivo não se entregará. E seu espectro vagará pela América, deixando lastro de pânico e incertezas: seu exemplo ficará marcado na história do ódio humano, deixando seguidores dispostos ao sacrifício de suas vidas para dar continuidade a esta tragédia.
Como nas supostas previsões sobre a III Grande Guerra, esta tem ingredientes que demonstram pode ser de séculos sem fim: uma conflagração sem glórias, sem vencedores ou vencidos, tendo como grande derrotado o próprio homem, impotente diante da impossibilidade de fazer parar a beligerância que levará o mundo ao caos.
Os Estados Unidos foram longe demais em sua ânsia sempre crescente por dinheiro e poder. Os judeus, após a grande e secular diáspora, conseguiram da ONU o Estado de Israel, mas não souberam cultivar a paz há muito perdida.
Agora, o caminho de volta parece já não mais existir: o espectro de bin Laden, como anjo do mal, como quer W. Bush, atormentará Israel e o ocidente indormidos e terrificados: quer vivo, quer morto.
Preso, o que legará bin Laden à humanidade? O equilíbrio de um general cônscio de sua causa, ou o desequilíbrio de um terrorista louco e fanático? Dificilmente a humanidade terá essa resposta. Provavelmente, dele não serão encontrados nem fios de sua própria barba, para uma precisa comprovação de identificação através de exames de DNA. Preferirá a morte a dezenas de metros da superfície rochosa da Ásia central, deixando ao inimigo a incerteza de seu paradeiro.
Será transformado em mártir; será transformado em herói; será proclamado o anticristo há muito anunciado como o semeador da impiedade de antes do final dos tempos, como está escrito no Apocalipse.
Já foi dito, o mundo nunca mais será o mesmo depois da derrubada das torres gêmeas de Nova Iorque. Mais que os artefatos atômicos jogados sobre Hiroshima e Nagasaki, os Jumbos causadores do desastre de Manhattan vão dividir a história contemporânea em antes e depois do anticristo.
Que os homens que governam o mundo tenham senso e serenidade para interpretar o momento que vivemos: a guerra é a guerra, e os cogumelos (de fogo) brotam quando papéis assinados de nada valem. Saber sair da situação que atormenta o mundo, da guerra sem fim, é, hoje, o grande desafio da humanidade. Precisamos de grandes estadistas. E parece que o mundo já não mais os tem.
W. Bush, pelo seu despreparo e prepotência, jogou o mundo nessa encruzilhada de fim dos séculos mesmo sem sua guerra nas estrelas: maniqueíza uma questão complexa, que preocupa a humanidade, num simplório embate do bem contra o mal, como se todos fôssemos crianças diante de uma TV que apresenta desenhos infantis.
Mais do que nunca, os líderes de todas as nações precisam sentar-se à mesma mesa para uma avaliação desapaixonada dos fatos; identificar as verdadeiras causas do conflito em expansão e; evitar a Grande Guerra já em estado de iminência pela radicalização de políticas internacionais intolerantes, predatórias e anti-humanitárias. A causa palestina tem de constar da pauta. A revisão da política imperialista de globalização do capitalismo, também.
Diário de Natal
26 de Setembro de 2001
Capitalismo e barbárie
O tombo das torres gêmeas do World Trade Center de Nova Iorque representa para a humanidade também um início de estado de alerta contra a barbárie imposta ao mundo pelo imperialismo globalizado. Antes de ser um ato terrorista, a ação contra o simbolismo do império americano foi um ato de barbárie contra a barbárie.
Barbárie imposta ao mundo pela grande concentração de capital nas mãos de poucos, enquanto as grandes massas humanas passam por necessidades de toda ordem. Ao acúmulo dos poucos, resulta a subtração a milhões de miseráveis sem direito a vida, espalhados pelos quatro cantos da Terra.
A barbárie está na falta de comida e na desassistência à saúde, à educação, à moradia de bilhões de indivíduos. O fundamental hoje é o reconhecimento de que esta não é uma guerra religiosa; não é uma guerra de nações contra nações.
Há 150 anos, Marx alertava: a concentração do capital irá gerar a barbárie. E a barbárie está há muito presente ao planeta, enquanto a grande águia americana ostenta a opulência de um povo que não olha em sua volta.
Contra a barbárie da miséria latino-americana, o capitalismo americano impôs o muro da fronteira mexicana. Contra a barbárie do genocídio palestino, os grandes investidores ianques endossam a barbárie do megamilionário mercado de armas.
As mortes diárias dos grandes centros, corpos tombados diante da violenta reação humana contra a pobreza, somam-se em números maiores que as conseqüentes do ato da guerra não declarada contra o império americano. A barbárie do cotidiano humano está nas páginas de qualquer jornal do mundo. O tio rico do norte, no entanto, nunca fez questão de lê-los. Sam nunca se preocupou com nada que não fosse o aumento de sua própria riqueza. Como o tio milionário da ficção dos comic books, o Patinhas, ele amealha e não acena com qualquer gesto de humanidade, dando ao mundo uma chance de paz e vida digna para todos.
Subtrai; explora; escraviza.
Os necessitados do mundo não querem nem lutam por caridade. Exigem justiça e uma ordem mundial que busque o equilíbrio econômico e dê a todos o direito de viver.
O xerife do mundo tem diante de si uma guerra diferente; guerra que exige prudência e táticas também primárias como os estiletes responsáveis pelo desastre de Manhattan. Não será a guerra nuclear que resolverá a questão. Nada de explosões ou recorrência à força bruta: o trabalho da inteligência, muito mais, será o fator determinante de uma resposta racional ao ato que humilhou e expôs ao mundo a fragilidade do gigante.
A paz que reinava em terras da América já não mais existe. As populações das grandes, médias e pequenas cidades dos estados americanos vivem hoje sob o domínio do medo, sem a consciência de como e onde será a reação sem rosto do inimigo.
Da mesma forma que Bush ameaça países que abriguem terroristas anti-imperialistas, pessoas de bom senso de todo o mundo se unem contra o requisitado direito de assassinato de qualquer cidadão do mundo sem julgamento.
A barbárie americana chega para ameaçar o Direito Universal. E já não serão mais os poucos países islâmicos que se insurgirão contra o xerife do mundo, mas populações esclarecidas de países ocidentais e até cidadãos americanos.
Contra a barbárie imposta pela política internacional americana, o mundo viu ao vivo a barbárie de uma resposta irracional e cruel. Ou a nova ordem é estabelecida em bases humanitárias sólidas, ou o capitalismo globalizado, por responsabilidade, implodirá o mundo em ações primárias de grandes resultados.
A reflexão fica para que não se encubra com manto religioso uma questão eminentemente política: o barbarismo político americano, mais que os suicidas do novo terrorismo mundial, ameaça a humanidade de uma forma concreta e cotidiana, merecendo dos seus mentores uma revisão que traga ao mundo a paz por todos desejada.
Eduardo Alexandre