A feira do Alecrim é uma das mais tradicionais de Natal. Todo sábado, debaixo de sol e chuva, vem gente de todo lado para vender ou trocar mercadorias, dos mais variados gêneros. É, também, um passeio através do tempo. Em alguns momentos, entre barracas coloridas e vielas lamacentas, temos a sensação que estamos em um interior longínquo, onde o progresso teima em chegar. É um lugar perfeito para captar algumas imagens, que servirá para abrilhantar uma futura exposição fotográfica. A tarde cinzenta, nublada e com uma chuvinha tímida, obrigava a utilização de um filme com máxima sensibilidade. O ISO 400, Kodak Gold, é o ideal para essa situação. A câmera, uma Cânon EOS 300, com lente objetiva de longo alcance, já estava no ponto quando as primeiras cenas começaram a surgir. Na barraca de carne, um senhor cortava bifes com a perfeição de um “shushiman” tarimbado. Usava um boné branco, encardido pelo tempo, que cobria parte de um rosto cansado. Enquanto ele cortava e pesava a carne, segurava pelos lábios um cigarro cuja cinza já estava perto de cair em cima das carnes, que se encontravam no primeiro plano. Dependurados na frente da barrava, costelas, toucinho, lombo, carne de sol, e até a metade um bode completavam a moldura da foto.
Alguns passos à frente, no meio da passagem, uma família inteira em volta de um carro de mão, vendia alface, cheiro verde, cebolinha, limão e feijão verde. Duas crianças, um menino e uma menina, chamavam a clientela que passava para comprar naquela tenda improvisada. A menina, com um vestidinho de chita surrado, o qual já não lhe cabia mais, era mais esperta na lida com os clientes. Com as mãos cheias de cheiro verde e cebolinha, ela oferecia aos passantes por um Real, o “mói”. O garoto, usava apenas uma bermuda preta, furada debaixo do zíper, deixando escapar os “documentos” em qualquer movimento mais brusco. Além de chamar a atenção das pessoas para seu comércio, o menino ainda se oferecia para carregar as sacolas das madames. Atrás do carro de mão, uma senhora sexagenária desbulhava feijão verde pacientemente. Usava um lenço velho e úmido, de tanto coçar a cabeça, seus cabelos prateados estavam, em parte, para fora do lenço. Grandes olhos azuis, numa pele morena, castigada pelo sol, dava a impressão de que, em outrora, ela fora uma mulher bonita. Hoje, o rosto enrugado e maltratado pelo tempo, trazia marcas de sofrimento e cansaço. Sentada ao seu lado, uma jovem ainda na puberdade, toda risonha e simpática. Ela Trajava apenas uma camisa do Flamengo, grande o suficiente para servir de vestido, o qual levantava discretamente para amamentar uma criança recém-nascida. Panos de neném sobre as pernas, cobria as partes mais íntimas e protegia-lhe do frio daquela tarde chuvosa. As crianças com as mãos abarrotadas de cheiro verde, sentaram-se entre a velha e a jovem, todos preparados para o clique que iria eternizar aquele momento. Atrás das barracas, um casarão antigo chamava a atenção pela sua arquitetura secular. Dentro, uma mercearia que vendia de tudo um pouco. Sacos com os mais variados tipos de feijões, adornavam à entrada do comercio. Garrafas de cachaça, empoeiradas e cheias de teias de aranha, davam um ar de esquecimento as prateleiras. Uma balança do tipo Filizola, antiga e conservada, esperava os clientes para pesar o queijo, a manteiga e outras mercadorias vendidas avulso. Pilhas dos mais variados tipos de queijos do sertão, amontoava-se próximo a balança. Em cima de uma dessas pilhas, um gato siamês, dormia profundamente sobre uma barra de queijo de coalho, quando um freguês que ia entrando exclamou: “Seu João, tem um gato em cima do queijo!”. Seu João do Queijo, um senhor simpático, de aspecto interiorano e com extrema inocência falou: “Tem nada não, ele não vai comer o queijo, o bichinho é ensinado”. Disperso-me daquela cena com a sensação de ter captado as mais belas composições, rostos e costumes de uma feira livre. Já é noitinha, na parada de ônibus, o cego Aderaldo ainda empunhava sua sanfona, com melodias que ao longe se ouvia.
Sentado num banquinho de madeira, alegrava a espera das pessoas pelo transporte urbano, em troca de algumas moedas depositadas no seu chapéu de palha. Em canções e versos, ele entoava o pedido do poeta: “Já qui tu vai lá pra fêra, traga di lá pra mim, água do fulô qui chêra, um novelo e um carrin. Trais pra mim vãs brividades, qui quero matá a sôdade, fais tempo qui fui na fêra. Ai sôdade!”.
Alexandro Gurgel, Jornalista