Natal-RN, 17 de outubro de 1947
Estudo de gestos
Os nossos gestos com a mão, braço, cabeça, significam atitudes de
inteligência, pensamento, frases, opiniões, têm sua história através do
tempo e não foram inventados por quem está empregando naquele momento. O
prof. Hermann Urtel, da Universidade de Hamburgo, estudou esse
“Gebardenspraihe” assim como F. H Cushing o fez com gesto da mão auxiliando
a conversação Manual Coniepts. Ninguém fala sem gestos. O gesto é uma
linguagem auxiliar, instintiva, natural, indispensável. Cláudio Bastos, o
folclorista e filósofo português falecido há dois anos no Porto, publicou
dois estudos curiosos na espécie: — Linguagem dos gestos em Portugal e
Gestos com a cabeça. Essas sing-langage ainda não merecem pesquisas maiores
no Brasil, João Ribeiro, que me conste é o único (Curiosidades Verbais,
XVIII), com um artigo de jornal. Certos gestos têm uma convenção quase
universal – expressando uma determinada imagem. Bater com palma da mão na
outra é aplaudir. Pôr a língua de fora é insultar. Por que? Esses gestos têm
milhares de anos de existência protocolar, valendo o que valem hoje. Há
dezenas de séculos convencionou-se sua significação. Não houve lei nem
exigência executiva. Por idéias religiosas o gesto ficou sendo essa ou
aquela imagem. E até hoje resiste, imperturbável. Ninguém os aprende nos
livros mas na vida. Desde crianças aprendemos seu uso, e nossos filhos
também. Assim, ad imortatitatem... Há dias, numa manhã de chuva, um
automóvel salpicou o menino que vendia pirulitos. Ficou parado, ruminando a
raiva impotente. Do outro lado da calçada um companheiro do mesmo tope e
função, balançou para ele a mão espalmada na altura da orelha. O agredido
arrancou, como um cavalo de raça, perseguindo o opressor para desagravar-se.
Não houve uma só palavra. Um gesto bastou para provocar a guerra.
Houve, como sabem, um poeta latino chamado Aulus Persius Flaceus que
morreu em Roma no ano 62, depois de Cristo, tendo apenas 38 anos. Na Sátira
Primeira, versos 58-60, ele elogia o Deus Janus por ter dois rostos, um para
frente outro para traz porque ninguém poderá ridicularizá-lo pelas costas. E
cita, entre gestos proibidos: — “Nee manus auriculas imitantes, est mobilis
altas”. É, exatamente o que o menino fez, neste ano de 1947, na avenida
Junqueira Aires, na cidade do Natal. Imitou com a mão os movimentos da
orelha do burro!... O mesmo se fazia, há vinte séculos, em Roma.