sábado, fevereiro 19, 2005

Acta diurna 18

Carlos Lyra

Natal-RN, 17 de outubro de 1947

Estudo de gestos

Os nossos gestos com a mão, braço, cabeça, significam atitudes de
inteligência, pensamento, frases, opiniões, têm sua história através do
tempo e não foram inventados por quem está empregando naquele momento. O
prof. Hermann Urtel, da Universidade de Hamburgo, estudou esse
“Gebardenspraihe” assim como F. H Cushing o fez com gesto da mão auxiliando
a conversação Manual Coniepts. Ninguém fala sem gestos. O gesto é uma
linguagem auxiliar, instintiva, natural, indispensável. Cláudio Bastos, o
folclorista e filósofo português falecido há dois anos no Porto, publicou
dois estudos curiosos na espécie: — Linguagem dos gestos em Portugal e
Gestos com a cabeça. Essas sing-langage ainda não merecem pesquisas maiores
no Brasil, João Ribeiro, que me conste é o único (Curiosidades Verbais,
XVIII), com um artigo de jornal. Certos gestos têm uma convenção quase
universal – expressando uma determinada imagem. Bater com palma da mão na
outra é aplaudir. Pôr a língua de fora é insultar. Por que? Esses gestos têm
milhares de anos de existência protocolar, valendo o que valem hoje. Há
dezenas de séculos convencionou-se sua significação. Não houve lei nem
exigência executiva. Por idéias religiosas o gesto ficou sendo essa ou
aquela imagem. E até hoje resiste, imperturbável. Ninguém os aprende nos
livros mas na vida. Desde crianças aprendemos seu uso, e nossos filhos
também. Assim, ad imortatitatem... Há dias, numa manhã de chuva, um
automóvel salpicou o menino que vendia pirulitos. Ficou parado, ruminando a
raiva impotente. Do outro lado da calçada um companheiro do mesmo tope e
função, balançou para ele a mão espalmada na altura da orelha. O agredido
arrancou, como um cavalo de raça, perseguindo o opressor para desagravar-se.
Não houve uma só palavra. Um gesto bastou para provocar a guerra.

Houve, como sabem, um poeta latino chamado Aulus Persius Flaceus que
morreu em Roma no ano 62, depois de Cristo, tendo apenas 38 anos. Na Sátira
Primeira, versos 58-60, ele elogia o Deus Janus por ter dois rostos, um para
frente outro para traz porque ninguém poderá ridicularizá-lo pelas costas. E
cita, entre gestos proibidos: — “Nee manus auriculas imitantes, est mobilis
altas”. É, exatamente o que o menino fez, neste ano de 1947, na avenida
Junqueira Aires, na cidade do Natal. Imitou com a mão os movimentos da
orelha do burro!... O mesmo se fazia, há vinte séculos, em Roma.

por Alma do Beco | 3:17 PM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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