Sei onde levo meus pés. Ali, lavá-los-ei das feridas e seguirei”. Neuza Margarida Nunes
Corro a vista por uma Paris a mesma. Faz frio e eu querendo o Rio e o calor do Nordeste, pátrias minhas hoje de rápidas temporadas em férias.
Daqui, ouço o ribombar cadenciado de instrumentos em ânsia; o coral de vozes prontas para a noite do delírio.
Repasso saites de jornais virtuais e encontro notícias do mundo. Nada é como o Brasil em carnaval. Ali, a vida salta em versos e dança: a música domina todos os fantasmas da fome em terra inflacionada de desemprego e recorrência aos dinheiros de uma viúva eternamente ingenuamente generosa.
Sim. É sempre ela a fazer rica a felicidade de ocasionais espertos, sabidos de toda hora, de todo o sempre.
Sonhei como sonhou a maioria que quis construir um destino.
Dancei como mestre-sala num carnaval de pujança imperial, farta, enquanto o zero nutriente voa em máquina de milhões de cinzas de quartas-ingratas.
Fiz-me comissão-de-frente nesse teatro de bonecos que vejo desfilar nas manchetes diárias de uma realidade continuada, imutável, corroboradora de ações iguais às desiguais pregadas em sermões mendicantes de votos.
A sabiá da palmeira cantada em versos foi abatida no ninho, como as pombas que, enxotadas, não migraram. Seu canto é letra morta numa lei feita provisória em medidas sem metragem.
Ouço o ribombar dos instrumentos e cadencio de imediato os meus instintos. Todos eles. Amarro-os à Babel famosa e espero assim não me fazer flecha num mundo de gente bem, bem brasileira. Quero em minha avenida Moreira da Silva e sua revolução proposta.
Aquela terra merece ser. Não nasceu para ser o verso que não foi. Nem a Nação que poderia ter sido.
As aves que ali gorjeiam podem estar abatidas pela falta de um habitat destroçado. Mas, mesmo tristes, ainda gorjeiam.
Parecem dizer da dor do destino que roga outro, bem outro, sem fisiologismo nem adesões do tome hoje e me devolva amanhã. Com altos juros e mais valia de quatro carnavais.
Somos pátria sem sermos noção do que somos. Somos surdos, mudos e; o nosso tato, esse, fez-se canto, fez-se nota, melodia, harmonia em Escola onde o samba, o que faz do povo dança, se mostra de pior a pior.
Nelson Silveira Caldas
Paris, 31 de Janeiro de 2005