Eu amo o Longe e a Miragem, Amo os abismos, as torrentes, os desertos... Clarice Lispector
Janeiro está indo e, com ele, parece, um tempo de mim.
Se não pude ser entendida, fiz de mim instrumento de muitos quereres, desejos adormecidos, latentes, prontos para despertar.
Sou assim, sempre fui assim: inconformada com disposições imutáveis. Sou transitória e tenho ciência desta condição. Sou povo insatisfeito: faço greve e piquete, bato panelas; chuto a barraca.
Maquiagem, aceito para minhas rugas; jamais para situações de vivências impostas.
Sou viva; sou morta. Não calo diante do que não aceito. Reajo: não quero saber se agrado.
Amanhã, estarei melhor. Batem a angústia, a tristeza; baixo astral diante de incompreensões, injustiças, mas segue à risca a lida em busca de um novo dia.
No jardim, rego a roseira que me trará o perfume orvalhado da umidade em mim feita longa estiagem. Não sou nascente de ressentimentos; sou, sim, a que prepara a semente para tornar-se semente de muitas sementes. Cultivo dádivas e pela vida me dei. Não me importei para os meus olhos levados; minha carne surrada; minha alma torturada. Lutei contra todos os vilipêndios: se fui derrotada em parte, houve casos onde ganhei.
Abro meu peito à ternura: ouço cânticos, vejo futuros expostos diante de mim.
Sei onde me achar; sei onde levo meus pés.
Ali, lavá-los-ei das feridas e seguirei adiante: é meu o caminho que eu mesma inventei.
Neuza Margarida Nunes
31 de janeiro de 2005
Feliz, porque sei fazer-me feliz.