A janela traiçoeira

Clotilde Tavares - Escritora

Com essa minha vida de agitadora cultural, vez por outra estou aparecendo na televisão, dando entrevistas ou informando sobre eventos. Então, há muita gente na cidade - e você, meu caro leitor, talvez esteja entre essas pessoas - que só me viu na tevê ou na foto que ilustra esta coluna. Quando me conhecem pessoalmente, a surpresa é inevitável, por causa do meu tamanho. “Mas Clotilde, eu pensava que você era uma mulher alta!” dizem, parecendo, inclusive, um pouco decepcionados com o meu metro e quarenta e oito de altura.

A televisão tem esse efeito, de não fornecer a informação adequada sobre a estatura das pessoas. Como as focaliza geralmente em um plano médio, da cintura para cima, coloca todos num mesmo patamar que escamoteia a real situação em termos de altura. No meu caso, agraciada pela natureza com um pescoço longo e esguio e um rosto sem bochechas, pareço muito mais alta do que realmente sou. Situação inversa ocorre com o jornalista e escritor José Nêumanne Pinto, paraibano de Uiraúna, que vive e trabalha em São Paulo. José Nêumanne acaba de lançar seu mais novo romance, “O Silêncio do Delator”, pela A Girafa Editora, livro que tem feito a minha felicidade e distração nos últimos dias.

Pois bem: falando na Academia Brasileira de Letras, durante o Seminário de Jornalismo e Literatura que ocorreu ali em outubro de 2004, José Nêumanne diz: “... as pessoas que me encontram na rua e que me vêem na televisão estranham e me acham grande, pois acham que eu sou pequeno, só porque não tenho pescoço. E como sou um poeta menor, um escritor bissexto e um jornalista obscuro, pois todo editorialista é obscuro por ofício, não posso também sair diminuído no porte físico. Então, resolvi mostrar-lhes minha altura real. Afinal, sou um sertanejo paraibano, com 1m80cm de altura e me orgulho disso: como diz Mauro Salles, morreram pelo menos uns 200 sertanejos para eu sobreviver e ainda ficar desse tamanho.” Grande José Nêumanne, cujo talento não merece hora nenhuma os modestos adjetivos que ele se atribui na sua fala.

Passei uma vez por uma situação engraçadíssima, por causa disso. Estava eu numa fila, num banco ou outro lugar qualquer. Entram então dois senhores, de meia-idade, olham para mim, param na minha frente e travam o seguinte diálogo, em voz alta, de forma que todos ao redor ouviram: “Menino, olha quem está aqui! Clotilde Tavares!” E o outro, me olhando bem: “É mesmo, Fulano. Mas veja só como é baixinha!” O primeiro continuou, balançando a cabeça e me observando: “Pois é... E eu que pensava que ela era um mulherão de um metro e setenta e cinco de altura! Tão pequena! É menor do que Elisa...” E foi embora com o amigo, depois de todas essas observações que fizeram na minha frente, sem se dirigirem a mim, em voz alta e me deixando com cara de tacho no meio de um monte de gente. Pior: sem saber, pelo resto da minha vida, quem danado era Elisa, que devia ser alguma criatura conhecida dele.

Coisas da telinha, caro leitor. Coisas da telinha retangular e horizontal, janela traiçoeira que engorda qualquer um em dez quilos, que engana o telespectador com suas imagens cortadas ao meio, que me faz crescer vinte e cinco centímetros e alimentar fantasias que depois não tenho como cumprir...

E para diminuir essa cota de enganos penso que já está na hora de trocar a foto que ornamenta esta coluna. É antiga, de uns sete ou oito anos atrás, e não faz jus à minha atual aparência. Agora estou mais jovem e - pasmem - loura! “Loura como as espigas, como os raios de sol e as moedas antigas” como diz o poeta Menotti del Picchia no seu poema “Arlequim”, que eu ouvia minhas tias recitarem quando eu era criança. Mas isso já é outra história.