"As especulações contidas em revista semanal, divulgadas neste sábado, não passam, como em outras oportunidades, de fantasia."
Ministro da Secretaria de Relações Institucionais, Jacques Wagner
Émerson Amaral / TN
Ginásio Sylvio Pedroza
Noite de Verão
Silêncio aberto
Assustador
Sussurra nos ouvidos
Frases de amor
Propaga arrepios
Congelados de pudor
Fala manso, fala grosso
Fala ardente
Embriaga, intimida
entorpece
Deliro,
acordo,
sorrio extasiada
Foi um lindo pesadelo.
Deborah Milgram
Amar-se é Essencial
É preciso abluir, por catarse,
a indiferença e frieza d’alma.
Pois: se penso, sinto;
se sinto, faço
e, se faço, vivo!
E assim introjeto no intimo do ser
amor, compaixão,
alegria e equanimidade.
Todavia, se amar é importante,
amar-se é essencial.
Urge, ainda, compreender que
“sem amar ao eu da platéia
jamais amaremos ao eu do palco”.
Robério Matos
A visita do Minas Tênis – I
A manchete de “O Poti” era destas que dizem tudo: “O Sylvio Pedroza precisa de reformas”. Ilustrando-a, uma foto e nota ainda mais elucidativa, “o ginásio está estragado”.
No corpo da matéria, como convite para missa de 7º dia, o professor Geraldo Araújo lamentava que a diretoria do Atheneu nunca tivesse se preocupado com a situação do ginásio. E aludia que, sem reformas, principalmente nas arquibancadas e vestiários, seria difícil sediar ali jogos dos JERNs.
O Recorte
Eu que não sou de recortar jornais – tanto que escrevi e nada tenho guardado – desta fez fiz exceção. Guardei-o principalmente pelo que se seguia. Que, se assim mesmo os alunos do colégio estadual desejassem, o ginásio seria aberto para partidas de vôlei e futsal. Mas que, geralmente, os alunos, quando liberados das aulas, preferiam ir para casa a assistir jogos.
A inauguração
A notícia me doeu. E lembrei-me das festas de inauguração, bote trinta anos nisto. Como era o presidente da Federação Norte-riograndense de Basquete _ FNB, fui convidado por Sylvio Pedroza para organizar a parte esportiva. Então, em nome do governador, convidei o Náutico Atlético Cearense; o Astréia, da Paraíba e; o Jet Clube, do Recife. Como representantes do RN, o Santa Cruz e a AABB.
Parece que estou vendo aquelas noitadas. Cinco seguidas, com casa cheia, o público orgulhoso da praça de esportes, a primeira coberta do Norte e Nordeste. Lia a inveja nos olhos dos cearenses, paraibanos e pernambucanos. Na parte da tarde, um torneio estudantil.
Sylvio largava-se do palácio e vinha confraternizar com os estudantes. E toda vez que ele aparecia, tome palmas. Ele fazia que não queria, que estava ali como simples assistente, mas quem não gosta de aplausos?
O Torneio de Lance Livre
Na semana que antecedeu ao 27 de julho de 1954, toda noite uma patota ali se reunia para presenciar os retoques finais. Na noite que foi colocada a primeira tabela, Sylvio pediu uma bola e desafiou os presentes para um torneio de lance livre. Lá estavam Felizardo Firmo de Moura, um dos próceres da UDN, Antônio Soares Filho, deputado e líder do governo na Assembléia, Carlos Cabeção, vulgo Carlos Silva, e, se não me engano, Rossine Azevedo, que, como São Tomé, não acreditava na construção do ginásio e se comprometera a fazer um discurso, ele que nunca falara em público, o ajudante de ordens de Sylvio que não lembro o nome e Roque José da Silva, futuro administrador do ginásio, e três operários.
Pois não é que Antônio Soares, o homem das duas luas, não ganhou o torneio? Pois foi. Demonstrando que enxerga mais, vide o caso da segunda lua que ele descobriu o “viu” justamente por trás da lua de mesmo.
Juscelino
Jamais esquecerei a visita que o então governador de Minas Gerais fez a Natal. Nada mais, nada menos que JK. O ginásio, como a menina dos olhos do então habitante da Praça 7 de Setembro, não poderia deixar de ser mostrado ao ilustre visitante.
Eu estava presente porque Sylvio despachara o carro oficial nº 1 para me apanhar no escritório. Eu fazia parte do plano astuciosamente engendrado por Sylvio.
Quando Juscelino derramava-se em elogios ao ginásio, Sylvio voltou-se para mim, assim como de improviso:
- José Alexandre, que achas de um clube mineiro visitar Natal?
Cumpri o meu papel à risca.
- Sensacional! Principalmente se for o Minas Tênis com suas equipes de voleibol feminino e basquetebol masculino.
JK riu o seu riso simpático. E, em cima da bucha, prometeu:
- Pois eles virão. Quando é que vocês os querem aqui?
Cavalo dado ou prometido, não se abre a boca. Quando Sua Excelência quiser, respondi. E saí de cena.
O Minas Tênis
Dois ou três meses depois, aqui estava o Minas. Em avião fretado, com ordem de pagar todas as despesas, hospedagem, transporte, extraordinários, o diabo.
Até água mineral., eles não deixaram que pagássemos.
Sylvio me chamou e comandou:
- Faça uma recepção em grande estilo. Se a renda dos jogos for insuficiente, pode gastar que abro uma verba especial pela Casa Civil.
Na Redinha
De que é que mineiro gosta? De praia, informaram-me. Que lá, como todo o seu tamanho e riqueza, não tem.
No domingo, bem cedinho, botei os conterrâneos do homem que comprava bonde num bote à vela, no rumo da Redinha.
Doutor, quando rapazes e moças pisaram terra firme, corriam que só meninos pela beira da praia, numa alegria e um encantamento doido.
Havia convidado Zerôncio para recepcionar os visitantes no Redinha Clube. E o grande boêmio, entendido como danado na arte de receber, mostrou toda a sua competência. Eram fartas mesas de frutas regionais, de salgadinhos, de camarões, de casquinhos de caranguejo, peixe frito e peixe cozido, até lagosta. Isto, como aperitivo. Seguindo-se, uma feijoada, refrescos os mais diversos: de abacaxi, pitanga, manga, caju. E um que os mineiros gostaram muito, de limão.
Preciso doutra crônica para falar de tal refresco, a nossa famosa caipirinha.
A Visita do Minas Tênis – 2
A caipirinha
Deixei-os, semana passada, na agradável companhia da delegação do Minas Tênis Clube, na recepção oferecida pelo governador do Estado e FNB, na praia da Redinha.
Tudo a capricho. José Herôncio de Melo, o organizador, merecendo nota dez.
Assim afirmavam os rapazes das Alterosas, dando uma baixa considerável no refresco de limão, que outro não era senão a caipirinha.
Até que o médico da delegação tomou um copinho e apurou o paladar.
- Espere, este refresco não contém álcool?
E Herôncio respondeu na maior cara-de-pau:
- Pouquinho. Só pra dar o gosto.
O médico, de imediato, proibiu a turma de ingerir tal refresco.
O solzinho
Zé Herôncio me chamou de lado e piscou um olho.
- Que você me diz desta rapaziada tomar um solzinho?
Pisquei, em resposta. Em cinco minutos, os atletas estavam instalados em jipes. Com recomendação aos motoristas:
- Vão bem devagar para a turma apreciar a paisagem.
A feijoada e o frevo
Passava das 13 horas quando a feijoada foi servida. Completa, com todos os ingredientes possíveis e imagináveis. Bem gorda e pesada. Daquelas que pedem sono reparador de horas e horas para fazer a digestão.
E ainda houve uma demonstração da música regional a cargo de Euclides Lira, que trouxera orquestra, sanfoneiros, passistas, lanças-perfumes, confetes, serpentinas.
- É um autêntico carnaval nordestino, esclareceu Alcides.
E como a rapaziada gostou do frevo! Logo invadiram a quadra, dançando, pulando, procurando fazer parafuso, igual aos passistas.
Só houve um porém, felizmente não notado pelos visitantes. Na afobação da saída, Euclides esquecera o saco grande de confetes.
A preliminar
À noite, o ginásio superlotado. Na preliminar, o sexteto feminino do Minas Tênis venceu de ponta a ponta. As meninas de Dona Letícia Garcia eram graciosas, elegantes, os uniformes bem talhados, o coxame reluzindo, umas misses, simpáticas e desportivas, sabendo perder.
Só havia uma coisa: voleibol não jogavam nada.
A grande primeira vitória
Vem o embate principal. Dum lado, a escolinha de Zé Augusto, calma e disciplinada, modesta, mas confiante. Do outro lado, os mineiros, com renome nacional.
Logo nos primeiros minutos, os visitantes se aperceberam que a equipe bancária não era o pato morto da noite anterior, pobre Riachuelo, esmagado sem dó nem piedade.
Assim mesmo, ainda conservaram uma margem de quatro, cinco pontos à frente no primeiro tempo. Mas o jogo era de igual para igual.
A língua no pescoço
Do meio para o fim da etapa complementar, os mineiros estavam com a língua no pescoço, feito gravata. De pura exaustão física.
Teria sido a emoção da viagem de avião, o clima diferente, a comida outra que não a sua, o passeio de bote, o sol a pino, a caipirinha, o esforço despendido para dançar o frevo?
Os confetes
Quando se delineou no placar uma possível vitória da AABB, Euclides Lira, num estalo magistral, correu à sala da administração e, de lá, trouxe o saco de confetes. Que distribuiu às mancheias pela torcida.
Faltando segundos para terminar, o Minas vencia por diferença de um ponto. Foi quando Nilo escapou pela lateral e e deu para Gualter Sá no garrafão. Gualter deu um rodopio e encestou. 41 X 40. Não houve nem tempo para mais nada. O juiz trilou o apito final.
Delírio
A assistência invadiu a quadra em delírio, numa chuva de confetes que cobriu as cabeças de Walter França, Mosquito, Nilo, Aluísio Machado, Félix, Luís Jorge, Roberto Siqueira, Gualter, Zé Augusto e a dos reservas.
Foi a primeira grande vitória do basquetebol do RN. Que, daí por diante, seria a sensação dos campeonatos brasileiros, chegando a 3º lugar, uma glória, visto que São Paulo e Guanabara são praticamente hors concours.
Despedida
Na manhã seguinte, fui ao aeroporto despedir-me da briosa delegação. Fiz questão de apertar a mão, um por um, de diretores, atletas, massagista e roupeiro, solicitando que que transmitissem a JK os protestos de estima e consideração e os agradecimentos do governo e do povo do RN.
Quando os alto-falantes chamaram os passageiros daquele vôo especial para embarque, o presidente da delegação envolveu-me num grande abraço, ocasião em que, em nome de Sylvio Pedroza, convidei-os para nova temporada.
Ele fitou-me bem nos olhos, desfez o abraço e catapultou da carteira uns pedacinhos de papel colorido.
- Dr. José Alexandre, o senhor é um desportista organizado e muito sabido. Virei, sim, outra vez. Mas vou levando para a diretoria do clube estes confetes, para explicar como se perde um jogo por causa de confetes. Volto, se o senhor jurar que não utilizará mais confetes.
E abraçou-me outra vez. Demoradamente. Ele tinha compreendido.
Ficamos amigos e nos correspondíamos. E ele recordava Natal com carinho. Quando sabia que novos clubes por aqui jogavam, perguntava pelo trabalho de sala, pelos confetes.
Era assim que ele definia o dia passado na Redinha, o sol, a caipirinha, a feijoada, até a demonstração de frevo.
Mineiro sabido danado.
José Alexandre Garcia
Gol de Placa, Editora Clima, Natal/RN, 1992