domingo, outubro 30, 2005

ONTEM, HOJE E AMANHÃ

Marcus Ottoni


O que preocupa é a desconstrução da democracia e da república.
Arnaldo Jabor

Júlio Pimenta
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Nei Leandro, no Bar de Chico, Beco da Lama,
com humanóides de Marcelus Bob ao fundo

O OLHAR

Passei noites
olhando o espelho
para entender
o que sou

passei dias
vendo o céu
para entender
a vida

passei tardes
observando o mar
tentando entender
o porque de te amar

Diogo Sodré



O Galo Mimoso


Do Oiapoque ao Chuí
ninguém ouviu falar
história mais marcante
que a que vou lhes contar:

Aconteceu há muito tempo
no sertão do Seridó,
terra de cabra macho
que nem todos de Caicó.

Por ironia do destino
o nome dele era Mimoso,
mas de manso num tinha nada
era, sim, valente e fogoso.

Muito franzino de corpo
mas ligeiro de pernas e asas
muita gente ele enxotava
de volta pra suas casas.

De suas proezas
seu Véi César se encantava
e dona Formosa, feliz,
num sabia se ria ou chorava.

Nenhum bicho ou gente
com ele tinha vez,
pois o penudo era filho
de galo carijó e galinha pedrês.

Seu Juca, Vaca Véia,
Marreta e Besourão,
sempre assustados, gritavam:
prende o galo, Torrão!

Amorosa, paciente, acudia
Pegóba, que ofegante exclamava:
Num tenho medo de assombração
e muito menos de alma penada!

Mas veio um dia
que a todos entristeceu:
Minha gente, Mimoso sumiu!
Chorava, desolado, Zé Bedêu.

Robério Matos
NOTA DO AUTOR: Baseada em fatos reais. Acreditem!



É o Beco!

Convocado pelo jornalista Hugo Macedo, procuramos um local tranqüilo para que eu pudesse fazer umas caricaturas para o livro “Beco Estreito – Histórias e Estórias de Personagens de Parelhas”. Optamos pelo Bar de Chico, no Beco da Lama, centro de Natal.

Enquanto Hugo contava os “causos” e eu desenhava as cenas, eis que chega um homem somente de calção, descalço e completamente bêbado. Imediatamente, passou na nossa mesa e sentenciou:

- Eu sou pescador e estou completamente apaixonado pela cozinheira!

Depois, ocupou uma mesa e pediu uma cerveja. Não sem antes revelar a ela, aos prantos, que não poderia mais continuar vivendo sem a reciprocidade do seu amor, que não conseguia nem trabalhar direito, somente pensando nela, etc. A resposta da cozinheira, que ficou irada, foi mais do que rápida:

- Meu senhor, eu não gosto de quem anda descalço e tampouco de pescador!

Ele, imediatamente, se levanta e vai embora, voltando, alguns minutos depois, com uma bacia cheia de postas de peixe, entregando a ela, como se fosse o presente mais caro do mundo. Aí, ela perdeu completamente a paciência, dizendo:

- Eu já lhe disse que não gosto de homem descalço, de pescador, de catinga de peixe e nem de homem que fede a esse animal, como você!

Com lágrimas nos olhos, o pescador disse:

- Pois então espere, que eu volto já...

Continuamos no nosso trabalho, enquanto, entre boas risadas, comentávamos o surto da apaixonite aguda do pescador, quando, passados uns trinta minutos, ele retorna, vestido da cabeça aos pés, com mangas longas, calça social, meias e sapatos, tomado banho e penteado, ainda muito embriagado.

- Pronto! – ele disse – agora estou do jeito que você quer! Saiba que eu não posso viver sem você, meu amor! E me dê logo uma cerveja bem geladinha e sente aqui pra gente combinar o casamento.

Do balcão, Chico, o dono do bar, ria discretamente, quando ela, aos gritos, disse:

- Eu já lhe disse, condenado, que eu não quero nada com você! Nem vestido de ouro! Vá atrás de umas raparigas lá na Ribeira, porque nem o seu retrato eu quero ver!

As lágrimas desciam dos olhos do pescador, quando, na saída do bar, pegou os dois sapatos novinhos e jogou no telhado de uma casa comercial e foi embora, todo alinhado e descalço, ainda com as etiquetas que balançavam impulsionadas pelo vento que descia em direção ao fim do beco mais irreverente do mundo.

Leonardo Sodré



Ontem, Hoje e Amanhã
Tribuna do Norte, 30/10/05

Uma viagem no tempo. A madrugada de Natal, que ressuscita minha infância e os deslumbramentos alimentados pela percepção e imaginação de uma criança. Tudo era gigantesco: as arvores, as praças, as ruas e avenidas, as casas de alpendres e as calçadas, as igrejas e os sobrados. A cidade exalava um perfume inconfundível, peculiar e extasiante. Mistura de aromas de jasmim, margarida, dália, alecrim e do inebriante eucalipto. Em esquinas de todos os bairros, estrategicamente, vendedores de frutas incorporavam ao odor desse pomar, que envolvia a cidade, o cheiro do caju, da manga, da jaboticaba, da goiaba, da laranja cravo (agora chamada de tangerina), do sapoti e tantas outras frutas que compunham a dieta dos natalenses. Sem distinção de categoria social. Havia partilha comum de uma forma de viver.

O "grande ponto" na Avenida João Pessoa, a Praça Augusto Severo e seu estilo "belle époque", suas arvores, que pareciam espetar o infinito, a Avenida Tavares de Lyra, o cais onde aportavam a lancha de Luiz Romão e os botes que transportavam moradores e veranistas para a Redinha, a rua Dr. Barata e seu comércio tradicional, que resistiu até pouco tempo, a visão do Baldo e da subida para o Alecrim, a majestade da imagem de São Pedro no pináculo da igreja que lhe é consagrada, a antiga Praça "Gentil Ferreira", a eterna postura do rio Potengy debruçado sobre o mar, o Forte, as praias e as dunas como eram na minha infância. Tirol e Petrópolis eram especiais porque se revelavam diferentes. Bucólicos e muito mais serenos. De manhã cedo, uma espécie de névoa, fina e fria, adornava-os, mantendo nas folhas e nas flores a umidade de um orvalho que resistia até o domínio esplendoroso do sol. Mas os morros, que ainda hoje cercam a cidade, apesar da criminosa e estúpida devastação, conferiam, naquela época, aos arredores desses bairros, uma roupagem paradisíaca, fantasiosa e enigmática.

Tudo mudou muito rapidamente. A mudança não quer dizer retrocesso, atraso, descontinuidade, esquecimento. Ou revogação inapelável do ontem. Essa incursão sentimental é nostálgica quanto ao passado. Esqueceram, muito mais do que a beleza e a ternura românticas da cidade, o mais importante, insubstituível como civilização: a dimensão humana de cada um e de todos. Fragilizaram-se laços humanos antíteses de egoísmos, violências, mesquinharias, hipocrisias, cinismo, insensatez e insegurança que, infelizmente, predominam em âmbito social. Onde falhamos? Por que nos recusamos a reconhecer a trágica circunstância de que a cidade é submetida a um processo de inevitável despersonalização? Há um fenômeno universal em curso. É verdade. Mas nada impede que preservemos, apesar da "aldeia global", os vínculos com um passado fonte de humanidade, sentimentos e sonhos. Essência da alma da cidade.

As "Palavras de pórtico" de Fernando Pessoa revelam sentimentos que se hospedam na mente e no coração de todos os homens. Em qualquer lugar, cultura e ambiente. Especialmente quanto à dimensão da vida: "Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo". Esse conteúdo humano é a substância do presente que deve fecundar o futuro que sonhamos.

Cláudio Emerenciano

por Alma do Beco | 9:58 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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Praieira
(Serenata do Pescador)


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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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mariza lourenço

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