PROPOSTA - Antiga sede da TV U é um dos pontos que a Samba gostaria de transformar em espaço cultural
Tribuna do Norte
14/05/01
Eliade Pimentel - Repórter
O tradicional Beco da Lama (rua José Ivo), na Cidade Alta, estará em festa amanhã, a partir das 18h. O compositor Jards Macalé será homenageado por iniciativa da Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências (SAMBA), entidade criada para valorizar o bairro e resgatar o prestígio do centro da cidade. Haverá recitais de música, poesia e apresentação teatral com o grupo Alegria, Alegria.
Um dos motivos de o compositor Jards Macalé ser homenageado é sua preocupação com resgate e preservação de bens tradicionais. No Rio de Janeiro, ele integra a Sociedade dos Amigos da Rua da Carioca (SARCA), que surgiu para lutar para que o metrô não passasse pela rua.
Segundo informou o médico João Batista de Lima Filho, mais conhecido por Zizinho, presidente da Samba, a entidade natalense foi inspirada na similar carioca. "Apesar de não ter visibilidade na mídia, Jards Macalé é um dos maiores compositores da MPB. Por isso achamos justa essa homenagem", justifica.
A festa no Beco é a primeira de uma série. Os eventos culturais serão realizados com o intuito de incutir nas pessoas o sentimento de resgate da tradição. São muitas as idéias de projetos ainda incipientes, mas os sócios pretendem aos poucos incutir principalmente nos comerciantes do centro a necessidade de revitalização do bairro.
"Pretendemos desenvolver atividades sociais, com o pessoal que vive nas ruas, vamos lutar pela criação de espaços culturais, como a reabilitação do prédio da Antiga TV Universitária", diz Zizinho. Para viabilizar os projetos, a Samba planeja buscar apoio da iniciativa privada e do poder público.
Com relação ao Beco da Lama mesmo, lugar de tradição, onde tanta poesia já foi cantada por poetas boêmios, há controvérsias sobre o que poderá ser feito para valorizá-lo. Alguns sócios imaginam que a rua deverá ser fechada para carros, com a construção de um calçadão., ou que o calçamento deve ser preservado e o Beco receba iluminação especial. As fachadas deverão ser reformadas e aquelas que estão desfiguradas ganhariam feição melhorada.
Um dos membros da sociedade é o arquiteto Haroldo Maranhão, uma das maiores referências da cidade quando o assunto é a preservação dos sítios históricos. O pessoal do grupo Alegria, Alegria também é integrante da Samba.
"O nosso grupo tem uma ligação muito grande com o centro. Sempre instalamos nossa sede por aqui. Antes era na rua Paula Barros, e agora na Gonçalves Lêdo", diz Grimário. O centro da cidade representa para eles muito mais do que o primeiro bairro de Natal. Funciona muitas vezes como palco, uma vez que o grupo é de rua e prefere se apresentar na Cidade Alta, onde há maior fluxo de pessoas.
A concentração do evento será nas imediações do Bar do Nazi (esquina com a travessa Câmara Cascudo). Está confirmada a participação dos músicos Carlinhos Zens, Jorge Macedo, Duarte (saxofonista da Banda Gália), Jailton, Carlança, Carlinhos Bem e Moisés de Lima, todos freqüentadores do Beco e adjacências, reduto resistente da boêmia de Natal.
O grupo Alegria, Alegria encenará o espetáculo Cidade Alta: Onde Tudo Começou, que é uma composição de crônicas e poemas de escritores, jornalistas e portas potiguares enaltecendo o bairro. São vários autores, como Câmara Cascudo, Newton Navarro, Berilo Wanderley, Diógenes da Cunha Lima, entre outros. A idéia de fazer a peça surgiu por ocasião do aniversário de 400 anos da cidade, informa Grimário Farias, diretor do grupo.
Durante a encenação, haverá projeção de slides, com imagens antigas da Cidade Alta. "Como consideramos Natal uma cidade muito feminina, somente as mulheres do grupo estão no elenco. Os homens ficam na parte técnica", explica. A apresentação no Beco da Lama contempla o projeto do Alegria, Alegria, de apresentar o espetáculo em diversos lugares citados no texto, como o Largo da Conceição (Instituto Histórico e Geográfico do RN), Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, Palácio Potengi, Praça André de Albuquerque, etc.
Demora da revitalização desanima comerciantes
Da mesma forma como é importante reabilitar a Ribeira, para que volte a ser um bairro importante para a cidade, conforme já foi um dia, é urgente também voltar os olhos para a Cidade Alta. A Prefeitura, através da arquiteta Ana Míriam Machado (da Semurb) já sinalizou que está estudando a melhor forma de intervir no centro.
Porém, enquanto os projetos de revitalização não são postos em prática, muitas pessoas já desistiram de continuar no centro e outras pretendem seguir para outras regiões da cidade. O comerciante José Lauri de Medeiros, 73 anos, mais conhecido como "seu" Lalá, está pensando em fechar as portas da mercearia, instalada há 33 anos na rua Gonçalves Lêdo, por trás do cinema Nordeste.
O comércio dele é uma daquelas tradicionais mercearias, onde se encontra de tudo um pouco, que funcionam de domingo a domingo, incluindo feriados e dias santos. Em todo esse tempo, ele diz que só tirou férias por 15 dias, e que agora pretende fechar o negócio e viver de sua aposentadoria. "Vou tentar viver com R$ 300,00", afirma.
Ele cita que mercearia era um tipo de comércio considerado pronto-socorro (as pessoas recorrem quando precisam de algum item para a despensa) e que hoje em dia os supermercados todos abrem até tarde da noite e durante os finais de semana e feriados também. "Comércio depende de lucro, e quando não há, o melhor é fechar as portas".
Ele reclama da imensa quantidade de fachadas em inglês e diz que, quando circula pelo comércio, não consegue entender quase nada. "Ninguém preserva o que é nosso", lamenta.