Do rio, se diz que não passa duas vezes no mesmo lugar. Pode ser. Tem certa lógica que águas que caminham em uma única e contínua direção, jamais voltem ao lugar onde nasceram, não tornem a passar onde passaram. Mas o mar, não. O mar é sempre o mesmo, abrigo das águas desprovidas de caminhos. Por isso se repete o mar. Monótona e continuamente. Enche, vaza, enche, vaza. Um pouco mais. Um pouco menos. Dependendo dos humores da lua. Calmo ou agitado, conforme os desígnios dos ventos. E não vale falar que revolta de mar é tsunami. Tsunami é revolta de terra. De terra cansada de carregar a imensidão do mar em suas costas.
Pensava nisso ao pensar na vida. Não numa vida em particular. Pois uma vida quer-se rio. Muitas vidas podem rio querer-se, mas quase sempre serão mar. O que ontem iluminou algumas delas, outras em breve iluminará. E o que toldou-as como noite densa e treva, outras também há de toldar. Como houvesse um só pecado, uma só graça, uma só dor. Como apenas mudassem atores e cenário numa peça repetida eternamente e à exaustão. Concebida por um escritor bissexto provido de pouca imaginação e algum talento.
O resto é rio correndo em abandono. O resto é mar cansado de marés desprovido de saída, de opções. O resto é inverno, primavera, verão, outono e novamente inverno. O resto é essa tarde que se esvai sucessiva e calmamente. Mundo afora. Tanto faz se aqui ou no Japão.
Márcia Maia