Saio a caminhar a cidade pelos meus olhos de antigamente.
Vou ao centro, tomo uma Antarctica casco verde na Confeitaria Cisne, ali, bem em frente à Casa Vesúvio.
Converso sobre o jogo de domingo com João Machado. Elogio seu “Corruchiado” do meio-dia da Rádio Cabugi do governador Aluízio Alves.
No Furamundo, o jeep guerreiro do prefeito Djalma Maranhão, chegam da Delícia, da velha e ainda próspera Ribeira, Zé Alexandre e Dozinho, em conversas de carnaval.
Falam em trazer Capiba e Claudionor Germano para o carnaval de Natal, mais precisamente para o do ABC Futebol Clube, com sede em estilo moderno e dancing de primeiro andar a fazer inveja ao decadente Natal Clube, ali da esquina desta João Pessoa com a Rio Branco.
O Grande Ponto ferve. Começa a se fazer ebulição e o burburinho vez por outra é atrapalhado pelos gritos de Maria Mula Manca a querer agredir fisicamente alguém, depois de ser molestada “moralmente” por algum canalha.
O vespertino chega pelas mãos de Cambraia.
— Diáris! Olha o Diáris! Mulher mata marido bêbado com banda de tijolo! Olha o Diáris!
E o normal volta ao normal na praça da cidade.
Chegam as notícias da Câmara Municipal e da Assembléia Legislativa. Comenta-se o tiro que o deputado disparou e atingiu o deputado em plena sessão.
As discussões sobre quem ganhará o clássico do próximo domingo são a tônica do lugar. ABC X América está na alma de todos e as apostas estão lançadas, com vantagens de empate e ou até de goals, como se escrevia à época da inauguração do Juvenal Lamartine.
Por baixo do seu silecão comprido, João ajeita o ovo, volume às vistas de todos, mas não o esconde dado ao agigantado do bicho. Luís Tavares toma uma, por exigência de casco preto, e fala de vaquejadas. Recusa conversas de viagens, pombos e ternos LS-120 brancos como o que traja, combinando com seus sapatos bicolores pretos e brancos, moda nova na cidade.
Carlos Lima está apreensivo. Vem da Prefeitura com conversa de que as Forças Armadas preparam algo. Conspiram.
O Grande Ponto tem medo.
Dali, para todas as ruas da cidade, convergem seus assuntos. Passam por becos, ruelas, vilas como a Cremilde ou a Matilde; vilarejos de lá das bandas das Quintas ditas profundas; sítios do Carrasco.
Ali, Baracho será enterrado e virará santo ou herói, ele que é o temor da cidade e notícia de todas as horas nas rádios temerosas da próxima ação do bandido; ele que é diariamente estampado nos clichês nas casas de máquinas de A República, Diário, Tribuna e Correio do Povo, do velho senador Dinarte Mariz.
Dali, assisto à chegada dos jovens que se dirigem para o Nordeste, Rex ou Rio Grande e tenho saudade do Politeama, onde maravilhávamo-nos com Chaplin e O Gordo e o Magro e; dos tempos que levava a família para um "poli" na sorveteria famosa.
Deste meio do caminho de todos, vejo o morro do Tirol tomado por umas poucas casinhas de palha. Temo que um dia a catedral que a igreja constrói, ali, no final da rua, tome a paisagem, bela paisagem de nós todos que rezamos ao padre João Maria, protetor de todos nós.
Tomo um cafezinho quente enquanto converso com Rossini e me despeço.
Tardezinha já sem sol, assim mesmo me cubro com meu chapéu de palhinha e caminho para minha residência, onde os meninos e mulher me esperam para o jantar.
Vou ouvir “Jerônimo, o Herói do Sertão" depois da "Hora do Ângelus", depois janto e vou para a frente de casa, conversar miolo de quartinha com os moleques e vizinhos na calçada.
Vida besta essa minha.
Amanhã tem tudo de novo.
Eduardo Alexandre