segunda-feira, maio 30, 2005

O PRIMEIRO BRASILEIRO 5



Logo ao amanhecer, vendo as mulheres de volta ao marco, o comandante da esquadra resolveu mandar um degredado à praia.
Se voltasse, como prometera ao outro, ganharia a liberdade. A reação adversa dos índios poderia ter acontecido em razão dos muitos homens que tentara desembarcar. Experimentaria. Se não desse certo, rumaria para o sul no dia seguinte, dando nome aos acidentes geográficos, realizando anotações cartográficas, chantando pedras de mármore de Lisboa naquelas terras.
O escolhido para o desembarque partiu decidido. Estava condenado a degredo de vinte anos em terras africanas e nada tinha a temer diante da situação. Preferia mesmo morrer a continuar com aquela vida, humilhado, maltratado, sofrendo horrores diários nos porões abafados das embarcações lusas, onde muitos já haviam sucumbido. Pelo menos, tinha a possibilidade de comutação da pena. Se voltasse, seria livre novamente e poderia voltar à família para cuidar dos filhos deixados em Portugal.
O degredado foi se chegando à praia em remadas decididas e velozes. Queria acabar com aquela expectativa. As índias foram buscá-lo na arrebentação, conduzindo seu barco à terra. O homem, sempre cercado pelas mulheres, dirigiu-se à esteira de oferendas e começou a analisá-las. As mulheres índias, curiosas, tocavam seu corpo, puxavam seus cabelos, arrancavam botões de sua roupa. No topo da duna, a indiada guerreira observava. Ele tinha por missão buscar um contato com o chefe da tribo e por isso demorou-se no lugar, enquanto as mulheres faziam festa, dançavam em seu derredor.
O pajé da tribo, carregado de maus presságios e já cansado da situação, desceu a duna, parecendo, para os que estavam distantes, nas embarcações, tratar-se de uma mulher que trazia consigo, na mão direita, um pedaço de pau grosso, parecendo um porrete. Enquanto as índias dançavam em torno do português, o pajé, aproveitando que o degradado estava de costas, com o pau, desferiu-lhe violenta pancada na cabeça, fazendo-o desfalecer. Logo a seguir, as mulheres tomaram seu corpo e, em meio a grande gritaria, levaram-no para o topo da duna, onde o cacique Potiassu se encontrava em companhia dos demais guerreiros.
De longe, os portugueses viram o chefe da tribo a gesticular diante daquele corpo estendido na areia fina, enquanto a indiada partia para a mata trazendo grande quantidade de madeira. Os silvícolas amarraram o degredado português ainda vivo em um tronco fincado à terra, fizeram uma grande fogueira a sua volta e atearam fogo. Durante um bom tempo, aquela imagem pavorosa ficou na retina dos embarcados, provocando mau estar e revolta. O degredado teve depois seus membros decepados e levados para a beira da praia, onde foram devorados pelos índios em gritarias.
Nas embarcações, a marujada revoltada queria vingar aquela morte horrenda, mas Gaspar de Lemos se antepôs.
De nada adiantaria aquele gesto. Seria apenas mais derramamento de sangue, provavelmente de ambos os lados. Ele não queria perder marujos. Tinha uma difícil missão pela frente e queria cumpri-la à risca. Com certeza, os homens desembarcados cinco dias antes tiveram o mesmo fim daquele coitado, teriam servido de alimentação àquela gente bárbara, comedora de carne humana, canibal.

Eduardo Alexandre

por Alma do Beco | 8:22 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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