Praia dos Artistas, anos 70
Eduardo Alexandre
O Dia da Poesia e os que o antecedem em Natal são comemorados por poetas e população. Das mais variadas formas.
Escolas públicas e privadas comemoram a data. A poesia chega às salas de aula e corredores escolares. Timidamente, nas universidades.
Houve ano em que o Bom Dia RN, comandado pelo hoje prefeito de Parnamirim, Agnelo Alves, acordou a cidade declamando “Batatinha quando nasce”. Ano houve, também, em que as TVs Cabugi e Tropical prepararam clipes poéticos para fazer chegar à população a poesia nossa. As emissoras de TV sempre dão um destaque à poesia no 14 de Março. As de rádio, também.
Há anos, jornais diários abrem página principal de cultura com o Dia da Poesia em destaque. Suplementos especiais sobre poesia são editados.
Natal, nesse dia, vive um clima de Capital Brasileira da Poesia.
Em nenhuma outra cidade a celebração à poesia é igual a Natal.
O Dia da Poesia é falado na Câmara Municipal, Assembléia Legislativa, em casas judiciárias, repartições federal, estadual e municipal.
O Dia da Poesia, em Natal, chega à população. De diversas formas.
Houve anos em que paredes ou tapumes foram usados como suporte de versos. Vezes houve em que passeios de poetas foram realizados por ruas, avenidas e, principalmente, bares da cidade.
Garrafas com versos foram lançadas ao amar e à vazante do rio.
Pedras da Ponta do Morcego foram coloridas. O centro da cidade foi ocupado. Recitais multiplicaram-se em espaços ditos oficiais e outros menos oficiais.
Celebrações foram feitas em diversos lugares.
É um momento de Natal.
Mas tudo é feito e sempre foi feito com tanta dificuldade que melhor deixar lágrimas para outros dias.
Este ano, pretendemos chamar a atenção para um problema de primeira hora e que há anos vem sendo negligenciado: os bueiros que trazem a água servida para rio e mar. Nossas praias urbanas, menos turísticas, talvez, que as outras mais distantes e famosas, transformaram-se no Beco da Lama da cidade.
Maior beco do mundo, pai de todos os becos, o da Lama da cidade do Natal é saneado, porém, diga-se, apesar de tão sujo como nossas águas circulantes, o Beco tem um quê que conserva uma certa e aguçada natalidade.
E não é sem razão.
Da velha Rua da Palha, hoje Vigário Bartolomeu, vieram suas primeiras águas servidas. Depois vieram as da Rua Nova, avenida Rio Branco, muito tempo a mais importante da cidade.
Natal havia crescido dali, em volta da capelinha onde hoje está a Matriz de Nossa Senhora da Apresentação, a catedral da Praça André de Albuquerque, onde nasceu.
Cidade (Alta) e Ribeira: uma povoaçãozinha longínqua e isolada, onde tudo vinha demoradamente por mar.
Anos e anos de costumes e festas sedimentados. Novidades zero.
O Beco, já aí - época de formação dos cantões onde as conversas delongavam-se da tardinha às nove da noite e as tochas eram a luz das cantorias e serenatas, dos saraus e tertúlias boêmias - já levava sua lama ao Potengi que a levava ao mar.
Se comparada, era tão pouca! E que culpa tinha o Beco?
A cidade era assim...
Décadas e décadas passadas, no quesito, não está bem pior?
Vai ter festa no Beco por isso?
Vai porque sempre é festa no Beco que canta a poesia apesar da lama. Especialmente no 14 de Março.
E vai ter café da manhã, sarapatel e sopão porque, no Beco, o fome zero da poesia não é de versos, mas de ações que dêem mais dignidade a nossa cidade.
Carlos: serão nossas praias a lama escoada de todos os becos da cidade? E do nosso centro, faremos o quê?