quarta-feira, fevereiro 16, 2005

Lá no Salão de Nalva

Nalva, no Bar de Nazaré

Nos últimos tempos, nada de novo aconteceu em Natal de maneira definitiva. Tudo de novidade, no aspecto sócio-cultural, sempre é passageiro. Peças de teatro, apresentações musicais, festivais de curtas e longas metragens, apresentações circenses, enfim, tudo o que desperta a curiosidade e semeia conhecimento na espiritualidade humana aparecem e desaparecem deixando apenas saudades.
Mas, toda regra tem exceção. Está a completar um ano que a velha Ribeira, cansada de guerra, está hospedando o Café Salão Nalva Melo. Hora café, hora salão, e, assim, entre um corte e outro, um artista regional se apresenta mostrando seu talento e o seu trabalho. Sou freqüentador quase assíduo, mesmo sem carteirinha, das noites de segunda para desfrutar do que há de melhor na musicalidade potiguar.
De tudo que o Café proporciona o que me chama mais atenção é a platéia. O ecletismo e as diferenciações tribais me encantam e os perfis mais interessantes cruzam as mesas em busca daquilo que jamais se conhecerá. Atores, atrizes, artistas plásticos, músicos, literatos, poetas e “poetizas” (essa é para Cristina Tinoco) iluminam olhos semianalfabetos como os meus. A penumbra, a fumaça dos cigarros e o som dos acordes potiguarinos fazem que a minha Água Tônica fique mais saborosa.
Entre as conversas e as músicas ouço as velhas vozes da Ribeira na algazarra em seu grito de guerra: “Xaria não desce! Canguleiro não sobe!”. Não mais existe cabeças partidas, nem muito nariz amassado, nem muito braço torcido e nem tão pouco muita prisão como escrevera o mestre Cascudo nos tempos de outrora.
As mesas distribuídas no salão, a disputa por um lugarzinho melhor, a velha “radiola” de ficha no canto da parede, a antiga geladeira meio azul meio verde na cozinha, o velho piso do Edifício Bila me fazem viajar e acreditar que a Ribeira ainda vive. Vejo-me em plena década de quarenta. Os intelectuais falando em guerra, em política, em mulheres. Estas, por sua vez, belas e abusadas em suas maquiagens importadas dos EUA e seus vestidos coloridos. Chapéus, boinas e guarda-sóis descansam perto da porta de entrada.
Continuo com a minha Água Tônica a sentir o cheiro dos perfumes do passado. Os sons dos lustrados sapatos no entra-e-sai do Café Salão, ainda na ilusória década de quarenta, misturam-se com os vôos rasantes daqueles benditos americanos e suas máquinas enlouquecidas.
Alguns olhos me encontram perdido no êxtase deste momento. Alguns sorrisos me são lançados e me despertam o desejo de sempre sonhar. Entre a fumaça dos cigarros vejo Tyrone Power e Ava Gardner entrarem e tomarem a atenção de todos. O calor da noite me inspira e, ainda encantado por Ava, tento cantarolar a marchinha meio brasileira, meio americana que sai dos acordes do musico “falsificadamente” nativo.
Quem me dera sair dali e dormir no Grande Hotel com a mais bela mulher dessa Ribeira. Acordar e observar o coreto da praça central. Tomar café na varanda e folhear o jornal matutino e encontrar as “Actas Diurnas” estampadas ao lado da fotografia, em preto e branco, de Getúlio e Roosevelt...
Volto a minha realidade. Não existe mais nada, apenas lembranças e desejos. O mestre já se faz morto. O coreto perdeu, ao longo do tempo, a sua funcionalidade. O hotel deixou de ser grande. A Ribeira adormece. Minha Água Tônica já não mata mais a minha sede. Não ouço mais as algazarras das pessoas pelas ruas.
Nalva e seu Café Salão me fizeram feliz, mesmo que por breves instantes. Retiro-me discretamente para não magoar as minhas lembranças. Dou as costas ao velho Bila. Atravesso com passos curtos a rua sem muito movimento. Cruzo as avenidas desertas e esquecidas e meus olhos negros, tristes e solitários se enchem de saudades.
Creio, hoje mais do que nunca, que plantei, em tempos passados, os meus pés naquele lugar. Vivi sem medo de conhecer a vida e hoje sou apenas resquícios de tempos belos e majestosos.

José Correia Torres Neto – 25 de julho de 2003

por Alma do Beco | 2:59 PM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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Praieira
(Serenata do Pescador)


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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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