quarta-feira, fevereiro 16, 2005

Careca fashion

Eduardo Alexandre

Karpot, tela de Eduardo Alexandre


Edgar Allan Pôla
Verdade que as coisas não estão indo muito bem pelo bar do Pedrinho, o Abech Pub. O turco anda desesperado, aprontando, a cada semana, novidades que nunca dão resultado. O belo balcão em alvenaria e mármore, ele colocou abaixo pensando ganhar mais dinheiro e espaço para mesas, e acabou transformando o ambiente, antes um dos mais apreciados da boêmia pelos amigos do Beco e Adjacências, numa quase bodega. Com uma maioria de freqüentadores apenas apreciadores do beber, os tira-gostos caros e em porções turcas, o que Pedrinho comercializava era mesmo a cerveja como carro chefe e alguns destilados que nem sempre eram encontrados pela freguesia. Aí, cansado do bar e sonhando lucros, ele resolveu partir para novo empreendimento:
- Vou montar um selve service.
Diga-se que a famosa casa da Gonçalves Ledo antes só abria suas portas à boemia a partir das 17:30h. Com o selve service, o turco e sua mulher Ivone agora teriam que abrir para almoço, ampliando a jornada de trabalho do casal.
Passa uma semana, duas, três e nada do selve service do Abech decolar.
- É que tem selve service em tudo quanto é lugar aqui no centro da cidade, justificava. Acho que vou fazer um restaurante à la carte.
Monta o à la carte e a situação se mantém.
Um mês e nada dos clientes voltarem a encher a casa de segunda a sexta como antigamente. Só uns gatos pingados, aqui, acolá, a galera dividida em outros bares, principalmente o de Aluízio, que mantém um cativante e providencial pendura. Com o fracasso do novo restaurante, Pedrinho haja a pensar, pensar, querendo saber o que faltava na cidade, para botar comércio diferente.
Colocou na entrada do estabelecimento um tapa-porta para que os passantes não atestassem sua solidão, e resolveu:
- Vou botar uma omeleteria. Não existe uma omeleteria em Natal, dizia vaidoso da grande descoberta: e todo mundo gosta de omelete, completava.
E botou a omeleteria. Só que o público continuou ausente e ele ainda recebeu o baque de ver, bem em frente ao pub, a chegada de Neide com suas iguarias de preços baixos e já famosas, e clientela cativa migrante do Beco da Lama. Aí, o turco foi ao desespero total, à loucura. Pegou estantes, livros e revistas velhos que tinha do antigo Sebo nas Canelas, e invadiu o bar com o mofo de um sebo sem o mínimo critério e obras sem qualquer valor literário.
- Agora, vai ficar legal, a turma bebendo e lendo, todos referenciados com as obras dos grandes mestres nas mãos.
Só que, infelizmente, ele continuou amargando o abandono e aí resolveu puxar pela memória para saber se não houvera algum acidente de percurso, buscando uma culpa sua para a situação. Mas quem conhece Pedro Abech sabe, ele jamais comete uma falta: é infalível. E, por conseguinte, nada descobriu em si ou no seu atendimento que pudesse ter feito sua clientela sumir. Aproximando-se a Copa do Japão e Coréia, o fenômeno Ronaldinho voltando a despertar sonhos de grandes jogadas, o Fantástico, sem assunto, manda ver uma reportagem sobre calvície. Entrevista mulheres de todas as idades e raças e constata o que a música popular há muito já atestou: é dos carecas que elas gostam mais. E haja a mostrar a novidade fashion: o careca fashion. A única coisa que a matéria do Fantástico não disse foi que para ostentar uma bela careca, o cara tem que ter uma bela cabeça.
Sem se aperceber do detalhe, Pedrinho pensou:
- Quem sabe, mudando a aparência, a sorte não volta?
E, dia seguinte, não contou conversa: procurou a Azes da Tesoura e mandou passar a zero no couro cabeludo.
Coisa mais feia que papagaio novo, ainda sem penas, não existe. Aquele bico imenso, desproporcional à cabeça, os olhos esbugalhados, quase saindo do rosto, é coisa disforme e, convenhamos, imensamente feia: horrorosa.
Pois foi como Pedrinho ficou parecendo, o mais legítimo nariz turco a lembrar o avantajado bico do papagaio depenado.
Louco para mostrar a novidade e sem um cliente no bar, ele resolve ultrapassar o tapa-porta de seu estabelecimento e dar uma encarada na clientela de Aluízio, logo na esquina. Chega de fininho, como quem nada quer, querendo, boné a esconder o desastre, e puxa conversa acompanhada pelos seus tiques renitentes.
Lá pras tantas, tira o boné da cabeça, surpreendendo os desavisados.
- Porra, Pedrinho, mas você tá feio demais, meu irmão, observa o apoplético Júlio Pimenta, diante de tamanha aberração da natureza.
Como todo bom turco otomano, Pedrinho não é de perder parada:
- Ah, quer dizer que você me achava bonito?
E saiu para comprar no fiado quatro ovos na bodega de Paulo, logo embaixo, pensando que alguém iria ao seu estabelecimento para cometar a novidade e provar o omelete do mais novo careca fashion da cidade.
Natal.RN 19.05.2002

por Alma do Beco | 4:03 PM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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