Karpot, tela de Eduardo Alexandre
Edgar Allan Pôla
Verdade que as coisas não estão indo muito bem pelo bar do Pedrinho, o Abech Pub. O turco anda desesperado, aprontando, a cada semana, novidades que nunca dão resultado. O belo balcão em alvenaria e mármore, ele colocou abaixo pensando ganhar mais dinheiro e espaço para mesas, e acabou transformando o ambiente, antes um dos mais apreciados da boêmia pelos amigos do Beco e Adjacências, numa quase bodega. Com uma maioria de freqüentadores apenas apreciadores do beber, os tira-gostos caros e em porções turcas, o que Pedrinho comercializava era mesmo a cerveja como carro chefe e alguns destilados que nem sempre eram encontrados pela freguesia. Aí, cansado do bar e sonhando lucros, ele resolveu partir para novo empreendimento:
- Vou montar um selve service.
Diga-se que a famosa casa da Gonçalves Ledo antes só abria suas portas à boemia a partir das 17:30h. Com o selve service, o turco e sua mulher Ivone agora teriam que abrir para almoço, ampliando a jornada de trabalho do casal.
Passa uma semana, duas, três e nada do selve service do Abech decolar.
- É que tem selve service em tudo quanto é lugar aqui no centro da cidade, justificava. Acho que vou fazer um restaurante à la carte.
Monta o à la carte e a situação se mantém.
Um mês e nada dos clientes voltarem a encher a casa de segunda a sexta como antigamente. Só uns gatos pingados, aqui, acolá, a galera dividida em outros bares, principalmente o de Aluízio, que mantém um cativante e providencial pendura. Com o fracasso do novo restaurante, Pedrinho haja a pensar, pensar, querendo saber o que faltava na cidade, para botar comércio diferente.
Colocou na entrada do estabelecimento um tapa-porta para que os passantes não atestassem sua solidão, e resolveu:
- Vou botar uma omeleteria. Não existe uma omeleteria em Natal, dizia vaidoso da grande descoberta: e todo mundo gosta de omelete, completava.
E botou a omeleteria. Só que o público continuou ausente e ele ainda recebeu o baque de ver, bem em frente ao pub, a chegada de Neide com suas iguarias de preços baixos e já famosas, e clientela cativa migrante do Beco da Lama. Aí, o turco foi ao desespero total, à loucura. Pegou estantes, livros e revistas velhos que tinha do antigo Sebo nas Canelas, e invadiu o bar com o mofo de um sebo sem o mínimo critério e obras sem qualquer valor literário.
- Agora, vai ficar legal, a turma bebendo e lendo, todos referenciados com as obras dos grandes mestres nas mãos.
Só que, infelizmente, ele continuou amargando o abandono e aí resolveu puxar pela memória para saber se não houvera algum acidente de percurso, buscando uma culpa sua para a situação. Mas quem conhece Pedro Abech sabe, ele jamais comete uma falta: é infalível. E, por conseguinte, nada descobriu em si ou no seu atendimento que pudesse ter feito sua clientela sumir. Aproximando-se a Copa do Japão e Coréia, o fenômeno Ronaldinho voltando a despertar sonhos de grandes jogadas, o Fantástico, sem assunto, manda ver uma reportagem sobre calvície. Entrevista mulheres de todas as idades e raças e constata o que a música popular há muito já atestou: é dos carecas que elas gostam mais. E haja a mostrar a novidade fashion: o careca fashion. A única coisa que a matéria do Fantástico não disse foi que para ostentar uma bela careca, o cara tem que ter uma bela cabeça.
Sem se aperceber do detalhe, Pedrinho pensou:
- Quem sabe, mudando a aparência, a sorte não volta?
E, dia seguinte, não contou conversa: procurou a Azes da Tesoura e mandou passar a zero no couro cabeludo.
Coisa mais feia que papagaio novo, ainda sem penas, não existe. Aquele bico imenso, desproporcional à cabeça, os olhos esbugalhados, quase saindo do rosto, é coisa disforme e, convenhamos, imensamente feia: horrorosa.
Pois foi como Pedrinho ficou parecendo, o mais legítimo nariz turco a lembrar o avantajado bico do papagaio depenado.
Louco para mostrar a novidade e sem um cliente no bar, ele resolve ultrapassar o tapa-porta de seu estabelecimento e dar uma encarada na clientela de Aluízio, logo na esquina. Chega de fininho, como quem nada quer, querendo, boné a esconder o desastre, e puxa conversa acompanhada pelos seus tiques renitentes.
Lá pras tantas, tira o boné da cabeça, surpreendendo os desavisados.
- Porra, Pedrinho, mas você tá feio demais, meu irmão, observa o apoplético Júlio Pimenta, diante de tamanha aberração da natureza.
Como todo bom turco otomano, Pedrinho não é de perder parada:
- Ah, quer dizer que você me achava bonito?
E saiu para comprar no fiado quatro ovos na bodega de Paulo, logo embaixo, pensando que alguém iria ao seu estabelecimento para cometar a novidade e provar o omelete do mais novo careca fashion da cidade.
Natal.RN 19.05.2002