“Deixe pois que se guardem as lembranças.” Márcia Maia
Hoje vou ver amigos, amigas, novos e dos tempos que a memória cativa, insiste em preservar. Vou fazer visitas, beber um pouco, armazenar confissões sobre novos segredos.
Não vou querer conversas sobre cabelo, marido, cozinha. Evitarei notícias de jornais. Assuntos de trabalho, esses também não os quero para hoje. Dispensar trocadilhos, afastar-me dos piadistas, vou.
Vou querer cultivar mistérios.
Vou procurar encanto onde nunca vi; beleza, em tudo que antes não percebi; sensibilidade no duro coração dos profissionais repetitivos, mecânicos. Vou buscar umidade em leitos mortos; cintilância, em cavernas de almas remoídas; tempero na mesmice dos chatos e inoportunos.
E não vou procurar lembranças. Pelo menos, hoje.
Vou para alto-mar, pescar futuros; arrumar malas para nova travessia.
Quero cometas ao anoitecer; uma vela que me colha ventos cariciosos; uma âncora que não me deixe desgarrada, à deriva.
Vou em busca de um dia que não sei, sem os sonhos de ontem. Sem sequer desejos. Sem memória ou projeções de mim.
Neuza Margarida Nunes
Barra de Tabatinga, 22 de janeiro de 2005
Mal dormida, depois de noite de axé music dos amigos vizinhos.