bandoneonamente,
a mão, no gesto, dança por primeiro.
nada importa, tudo é sim daqui pra frente...
cada minuto como fosse o derradeiro,
pois todo tempo é sempre urgente.
a mão que pega a mão que deixa inteiro
o corpo ao corpo e o rosto ao rosto rente.
a mão que desce ao côncavo das costas,
as pernas que se encontram e se entrelaçam.
à altura dos ombros, as mãos postas.
e antes que se dance, mais se abraçam.
o olhar fala de um gesto de início.
o par imóvel, o chão é quem desliza.
cada acorde que sucede é mais propício
à mão que agora é boca e o corpo alisa...
a brisa vem do hálito em comum,
e, ao tempo em que aspira, embaça o queixo.
os cheiros se confundem. dois é um.
o teu em mim e o meu que eu te deixo.
a fala não carece, mas eu quero
dizer coisa qualquer, feito um murmúrio,
que dance, feito a gente, esse bolero,
e invada cada vão desse tugúrio...
dizer a não-dizer, mas só querer
que o que eu não disse, mais por isso eu disse,
pois só quem não sentiu tem que dizer
do que pensou sentir, sem que sentisse.
então eu falo a ti, eu te murmuro...
te digo, te confesso, te segredo.
a lâmpada transformo em escuro,
a luz, a dos teus lábios no meu dedo...
teu beijo que interrompe a minha fala,
o pouso que eu encontro em teu pescoço...
nós dois nesse silêncio que não cala,
os olhos a dizer nosso alvoroço...
a música termina e não termina,
a dança mal começa e já faz horas...
só sei dizer a ti "minha menina,
contigo todo tempo é sempre agora..."
à porta nos convida a madrugada,
e eu giro, incontinênti, a maçaneta...
e tu, já por meus olhos desnudada,
te vestes de noir e violeta...
lá fora, ainda o som, mais a varanda,
e à frente da varanda, só o mar...
e aquém do mar e além dessa varanda,
a areia, toda ela, pra te amar...
Antoniel Campos